Título: Empresários fazem pressão por normas protecionistas
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 11/12/2008, Brasil, p. A4

Preocupado com o efeito da crise global, o setor privado trava uma queda-de-braço com o governo. Os empresários estão pressionando por medidas de defesa do mercado interno, porque receiam uma "invasão" de produtos importados que não são absorvidos nos países ricos. O governo, por sua vez, tenta resistir às iniciativas, pois teme retaliações contra a exportação brasileira e quer evitar que o protecionismo reduza o comércio mundial e agrave a crise.

A defesa do mercado interno é um das principais preocupações das empresas que será relatada hoje ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em encontro com o setor privado para discutir a crise, contou um empresário convidado para a reunião. Representantes de diferentes setores disseram que o governo está sendo "ingênuo" e deixando o mercado desprotegido. Técnicos do governo rebatem que não há sinais de crescimento anormal das importações. Entre os setores mais alarmados estão têxtil, calçados, siderúrgico, escovas de cabelo, óculos e vinho.

Segundo um alto funcionário do governo federal, houve uma "histeria" por medidas de defesa comercial nos últimos 30 dias. Os lobbies privados solicitaram vários tipos de proteção, como maior tarifa de importação, pedido de sobretaxa contra dumping, regulamentação de uma lei que vai taxar alguns produtos por peso, conhecida como "taxa ad rem". Os pedidos de abertura de investigação de dumping, por exemplo, já chegam a 53.

Os empresários também recorreram às suas bancadas no Congresso para pressionar o Executivo. As visitas de deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento e as convocações de técnicos do governo para audiências públicas se tornaram constantes. Além disso, pipocam projetos de lei para regular as importações. Foi aprovado na Câmara um projeto que sujeita os importados a uma série de regras técnicas. Também circula no Senado projeto que retira poder dos ministérios da Fazenda, Itamaraty e Agricultura na aplicação de antidumping.

"Não podemos ser ingênuos e deixar de utilizar todas as ferramentas previstas para defender o mercado interno", disse Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). No fim de novembro, a entidade se reuniu com os congressistas que participam da frente parlamentar têxtil e apresentou 19 demandas importantes para o setor - oito são de defesa comercial.

De acordo com Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a recessão nos países ricos provocou uma excedente de produtos que está "boiando" em busca de um destino. Ele acredita que o Brasil é um alvo preferencial, porque possui um mercado interno grande, baixo nível de proteção e uma economia que ainda cresce. "Temos que agir preventivamente", disse, reconhecendo que não há uma explosão generalizada de importações.

Funcionários do governo argumentam que os empresários precisam manter a calma. Segundo os técnicos, é consenso entre os países que o protecionismo só vai piorar a crise, porque pode travar o comércio mundial, como aconteceu depois da quebra da Bolsa de Nova York em 1929. Por enquanto, os países restringiram as medidas de combate à crise a estímulos ao crédito, mas o governo brasileiro teme que a perda de empregos provoque ações protecionistas. Para o governo, a valorização do dólar vai funcionar com uma proteção natural do mercado brasileiro.

O governo também teme que medidas protecionistas provoquem retaliações contra as exportações brasileiras. "Está prevalecendo a voz de quem quer proteção e não do exportador", disse uma fonte. Para tentar mudar a situação, o governo conversa com o agronegócio para alertar sobre os projetos que circulam no Congresso. Segundo fontes do setor privado, a China sinalizou que pode reagir a medidas antidumping contra têxteis e calçados restringindo a importação de soja e minério.

Os empresários não concordam com o governo e dizem que a China já está incentivando suas exportações como uma arma de combate à crise. Segundo o setor siderúrgico, os chineses eliminaram as tarifas para exportação de aço, pois o ritmo da construção civil caiu muito no país. O país asiático também aumentou os incentivos tributários para produção de aço e confecções. Os empresários brasileiros também acusam os chineses de desvalorizar artificialmente a moeda para ganhar competitividade.

Segundo Milton Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria Calçadista (Abicalçados), os importadores estão oferecendo descontos significativos para seus produtos no mercado brasileiro. Ele dá como exemplo um calçado esportivo que era vendido no Brasil a R$ 94 em junho e hoje custa R$ 48 no varejo. Cardoso acredita que existe um excesso de calçados no mercado mundial, pois as grandes marcas estão recebendo as encomendas feitas seis meses atrás e não conseguem vender.

Na semana passada, representantes do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS) estiveram reunidos com o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Na pauta do encontro, o pedido para restabelecer as tarifas de importação entre 12% e 14% para nove produtos siderúrgicos, que tiveram suas alíquotas zeradas em 2005. "Enquanto o mundo se protege contra a recessão, é até uma certa ingenuidade do governo", disse Marco Polo de Mello Lopes, vice-presidente-executivo do IBS. Na avaliação do setor, a "preservação" do mercado interno deve ser prioridade, porque houve uma paralisação das vendas internacionais. Procurado pelo Valor, o Ministério do Desenvolvimento preferiu não se manifestar.