Título: Ajuda do Tesouro para o BNDES deve ser temporária
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2009, Opinião, p. A10

A injeção de R$ 100 bilhões que o Tesouro Nacional fará no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é justificável porque, na maior crise financeira desde a Grande Depressão de 1929, as empresas tiveram cortado o acesso aos financiamentos privados. Mas a solução deve ser vista como temporária e excepcional porque, no médio e no longo prazo, o excesso de ativismo dos bancos públicos tende a causar a desequilíbrios fiscais e a prejudicar o desenvolvimento do mercado de capitais.

Mesmo as correntes de pensamento econômico mais liberais admitem que, quando se verificam as chamadas falhas de mercado, o setor público deve se mostrar mais presente. É o que se vê nas principais economias do planeta, em que os governos fazem injeções maciças de dinheiro em bancos - e até em empresas - para evitar que ocorra uma recessão mais profunda.

O Brasil não é exceção. Vivemos uma parada súbita na conta de capitais. Interrompeu-se o fluxo de empréstimos às empresas, derrubando a taxa de rolagem da dívida externa privada a apenas 20% em novembro, segundo dados do Banco Central. Os investidores estrangeiros, que tinham uma presença entre 50% e 80% nas ofertas de ações, virtualmente desapareceram do mercado.

A interrupção do fluxo de financiamentos não está relacionada com uma eventual piora dos fundamentos da economia brasileira. Os mercados simplesmente deixaram de funcionar adequadamente. Atravessamos um período de aversão extrema ao risco, em que os investidores são incapazes de distinguir créditos de boa e de má qualidade.

Em condições normais de mercado, a atuação dos governos, diretamente ou por seus agentes financeiros, provoca ineficiências e distorções na economia. Mas é certo que, numa crise como a atual, os custos de o governo se omitir são infinitamente maiores do que os de agir.

As empresas que antes buscavam recursos no exterior e no mercado de capitais deslocaram a demanda para o sistema bancário nacional, provocando a alta generalizada dos juros. Os bancos suprem apenas de forma marginal as necessidades de investimento das empresas e, sem eles, fica comprometida a capacidade futura de crescimento do país.

Há, portanto, justificativas para ampliar o papel do BNDES nesse período de crise. O banco terá, neste ano, R$ 166 bilhões à disposição para financiar empresas, o que representa quase o dobro das concessões feitas em 2008.

Isso não quer dizer, porém, que a intervenção estatal deva ser feita a todo custo e como política permanente de governo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que exigirá do BNDES a contabilidade detalhada dos postos de trabalho criados pelo financiamento. Seria saudável, porém, medir não apenas os benefícios, mas também os custos das medidas adotadas.

Mantega evitou estimar os impactos do socorro sobre os cofres públicos, ponderando que eles tendem a mudar ao longo do tempo, já que os juros básicos estão em queda. Economistas do setor privado estimam em cerca de R$ 4 bilhões anuais os subsídios implícitos na linha de financiamento ao BNDES, com juros médios ponderados de 7,98% ao ano, ante um custo de oportunidade de 12,75% do Tesouro.

Parte dos custos fiscais pode ser traduzida em números, mas há encargos mais difíceis de mensurar. Um deles é a fragilidade na percepção fiscal do país. O governo, para driblar os efeitos que a injeção de recursos no BNDES causaria no superávit primário e na dívida líquida do setor público, preferiu montar uma engenharia financeira para concretizar a operação. O abuso de artifícios fiscais, que foram usados anteriormente em operações semelhantes com o próprio BNDES e com outros bancos públicos, leva os investidores a exigir prêmios maiores para rolar a dívida pública.

No médio prazo, o excesso de ativismo do BNDES conspira contra o amadurecimento do mercado de capitais. A disponibilidade de recursos subsidiados elimina os incentivos para as grandes empresas captarem recursos por meio de venda de ações e emissão de papéis. É desejável que, assim que seja superado o pior da crise, o BNDES dirija as suas linhas de financiamento para segmentos que, por falhas de mercado, não têm acesso aos mercados de crédito, como as pequenas e médias empresas.