Título: Grito por socorro
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 15/01/2010, Mundo, p. 17

Moradores de Porto Príncipe relatam ao Correio clima de dor e desespero que tomou conta da capital de 3 milhões de habitantes após o tremor de terça-feira. Além da escassez de água, alimentos e combustíveis, as pessoas se veem obrigadas a dividir as ruas com corpos em decomposição. Pelo menos 1,5 mil foram deixados em hospital

Corpos abandonados diante do Hospital Geral de Porto Príncipe: governo sepultou 7 mil mortos em vala comum

Eduardo Munoz/AFP Caixão com vítimas do terremoto é exposto em rua da capital haitiana: visão dantesca de uma tragédia

¿Por favor, nos ajudem!¿ O apelo desesperado feito pela internet por Geraldine Scown, 24 anos, moradora de Porto Príncipe, é o clamor que une os mais de 3 milhões de feridos e desabrigados, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, e as dezenas de milhares de pessoas desaparecidas sob os escombros. O pedido de socorro emociona o mundo, que reage. O pronunciamento do presidente norte-americano, Barack Obama ¿ que colocou todo o poder dos Estados Unidos a serviço do país afetado pelo terremoto de 7 graus na escala Richter ¿, a ação do governo brasileiro e a ajuda de outras nações trazem um pouco de esperança ao povo haitiano.

¿Nós oferecemos todos os elementos de nossa capacidade nacional, nossa diplomacia, e a assistência ao desenvolvimento, o poder de nossas forças armadas e, o mais importante, a compaixão de nosso país¿, prometeu Obama. A jovem Geraldine deixa claro que o trabalho a ser feito é mesmo imenso, e precisa ser realizado logo. Os vivos, ela conta, tentam de todas as formas sobreviver em uma cidade devastada. ¿Ainda estou em choque. Não há comunicação por celular, estamos sem eletricidade e sem comida, há muitos mortos nas ruas, falta combustível. Vamos morrer em breve¿, desespera-se, em entrevista ao Correio, pela internet, às 6h20 de ontem (9h20 em Brasília). Ela conta que as pessoas ainda estão em pânico, com medo das réplicas. ¿As pessoas dormem nas ruas, não há remédios¿, acrescenta a mulher, que passa as noites na garagem de sua casa ¿ parcialmente danificada ¿ na companhia de vários desabrigados, no bairro de Pelerin 5 (oeste). ¿Não temos comida aqui e há dois bebês conosco.¿

A tragédia atingiu cidadãos de diferentes países. A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a morte de pelo menos 36 de seus funcionários, incluindo quatro policiais, 19 militares ¿ 14 brasileiros ¿ e 13 civis. Até o fechamento desta edição, o carioca Luiz Carlos da Costa, a segunda maior autoridade civil da ONU, ainda era dado como desaparecido (leia mais na página 21). O Hospital Geral de Porto Príncipe precisou colocar do lado de fora parte dos 1,5 mil corpos enviados para o local. A Cruz Vermelha estima que o número de mortos pode variar entre 45 mil e 50 mil. O presidente René Préval confirmou ontem à noite que cerca de 7 mil já foram enterrados em valas comuns.

A madrugada de ontem foi pavorosa. ¿Nós enfrentamos três réplicas, e uma chuva fina caiu por alguns segundos. Escutei gritos de pessoas implorando por ajuda, gente rezando, chorando, e o lamento de crianças que perderam seus pais¿, diz Geraldine. O sol levou a escuridão, mas não o horror. ¿Nosso maior problema é que muitas pessoas morreram nas ruas e o odor dos corpos é forte. Precisamos urgentemente que as agências humanitárias venham remover os cadáveres.¿

Dor e fuga Muitos haitianos preferiram não enfrentar o horror pós-terremoto e fugiram para a República Dominicana. Franck St. Vil, desempregado, 38 anos, ficou na capital. ¿Perdi meu primo, minha tia, todo o meu dinheiro, minha casa. Perdi tudo¿, conta ao Correio, pela internet. Quando a terra começou a tremer, Franck estava dentro do quarto, com a filha. ¿A vibração foi muito intensa, forte¿, lembra. Ele explica que a situação é ¿muito dolorosa¿ para todos. ¿Todas as universidades desabaram, a maior Catedral do país caiu, o maior hotel (Montana) não existe mais.¿

Quem não pôde partir se vê obrigado a enfrentar outra ameaça: a violência. Em entrevista à agência France-Presse, Valmir

Fachini, porta-voz da ONG Viva Rio, relatou que as ruas de Porto Príncipe se transformaram em cenários de saques e disparos. ¿Lamentavelmente, não vemos a Minustah (Missão de Estabilização da ONU no Haiti) nas ruas. Ouvimos disparos de armas de fogo sem poder dizer de onde vêm. Os saques começaram nos supermercados¿, contou.

Outro lado do drama atinge aqueles que partiram antes do terremoto. É o caso do engenheiro agrônomo Estime Maxene, 31 anos. Em setembro de 2009, ele trocou Porto Príncipe pela Bélgica, onde cursa mestrado na Universidade de Liège-Gembloux. ¿Estou com tanto medo¿, desabafou, pela internet, ao Correio, afirmando que a mãe, o pai, quatro irmãs, dois irmãos e a mulher ficaram em Porto Príncipe e em Damien, a 20km. ¿Muitos dos nossos vão morrer, porque não receberam cuidados médicos.¿ Às 9h54 (12h54 em Brasília), ele recebeu a primeira notícia sobre a família, na forma de uma mensagem enviada pelo celular do primo Devil Fabienne. ¿Todos se sentem bem¿, afirmava o texto. Nem assim ele se acalmou. ¿Temo que estejam feridos.¿ Até o fechamento dessa edição, ele continuava sem notícias da mulher.

Escutei gritos de pessoas implorando por ajuda, gente rezando, chorando, e o lamento de crianças que perderam seus pais¿

Geraldine Scown, 24 anos, moradora de Porto Príncipe

Veja vídeo com vista aérea de Porto Príncipe destruída

Como ajudar

Para auxiliar as vítimas de uma das maiores catástrofes da América Latina, deposite qualquer valor nas contas- correntes abaixo. A orientação é não enviar mantimentos ao Haiti, mas dinheiro, que será usado para a compra de água, alimentos e medicamentos

Embaixada do Brasil no Haiti Banco do Brasil Agência: 1606-3 Conta: 91000-7 CNPJ: 04170237/0001-71

Comitê Internacional da Cruz Vermelha HSBC Agência: 1276 Conta: 14526-84 CNPJ: 04359688/0001-51

Movimento Viva Rio Banco do Brasil Agência: 1769-8 Conta: 5113-6 CNPJ: 00343941/0001-28