Título: Tabaré assume o Uruguai com um discurso à la Lula
Autor: Paulo Braga De Montevidéu
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2005, Internacional, p. A15

O novo presidente do Uruguai, o esquerdista Tabaré Vázquez, assumiu ontem comprometendo-se a conciliar o cumprimento de compromissos com organismos financeiros internacionais com medidas para melhorar a situação da fatia da população empurrada para a pobreza pela crise econômica. Ele falou ainda em ampliar a arrecadação fiscal e anunciou a adesão do país ao G-20, grupo de negociação comercial liderado pelo Brasil. O tom usado ontem pelo médico oncologista de 65 anos confirma que a linha de seu governo será parecida com a do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Implicitamente, ele se distancia da postura confronto assumida pela Argentina e pela Venezuela. "Nossa integração ao mundo não ignorará a relação com os organismos financeiros internacionais", disse em discurso após prestar juramento no Congresso. "A partir do cumprimento das obrigações contraídas pelo país, promoveremos uma relação de respeito mútuo que leve em conta as necessidades e o direito ao desenvolvimento da sociedade uruguaia." Com problemas e soluções parecidos com os de Lula, Vázquez tem algumas vantagens em relação ao colega brasileiro. Ele chega ao poder com maioria nas duas casas do Congresso. E, apesar de na sua coalizão de governo conviverem desde políticos de centro até trotskistas e ex-guerrilheiros, os potenciais "rebeldes" uruguaios já indicaram que. mesmo que discordarem das ações de Vázquez, o farão de dentro do bloco governista. Paralelamente à reafirmação de que sua política econômica deve seguir linha semelhante à da gestão anterior, Vázquez fez ontem o primeiro anúncio na área social. O governo lançou o chamado Plano de Emergência, destinado a aliviar a situação da população mais pobre. A previsão é aplicar US$ 100 milhões em recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento para atender necessidades de alimentação, saneamento básico e educação. A estimativa oficial é que dos 3,3 milhões de habitantes, 32% se encontram abaixo da linha da pobreza. Destes, 100 mil estão em situação de indigência. Antes do agravamento da crise, em 2000, os pobres eram 18%. A situação econômica e social do país sofreu forte deterioração a partir de 2002, como reflexo da crise vivida pela Argentina. O contágio provocou uma corrida bancária que abalou o sistema financeiro, e o ano terminou com queda de 10,8% do PIB. Entre 1998 e 2002, a contração acumulada chegou a 23%. A partir de 2003 o país iniciou uma recuperação. No ano passado, o crescimento foi de 12%. Para este ano, a previsão é de 5% a 7%. Um dos principais problemas do novo governo é o pesado endividamento externo. Devido à necessidade de financiamento, o governo vem mantendo um discurso amigável em relação aos organismos financeiros internacionais, e um novo acordo com o FMI deve ser negociado a partir deste mês. O secretário-executivo da Cepal, José Luis Machinea, estimou que o crescimento econômico e a valorização do peso em relação ao dólar permitirão ao país reduzir a relação dívida/PIB, que chegou a superar 100%. "Hoje a proporção deve ter baixado para cerca de 80% do PIB", estimou Machinea. Para ele, a cifra ainda é alta, mas administrável. Nos últimos 12 meses, o peso uruguaio teve valorização de 15%. A posse foi assistida por todos os presidentes do Mercosul, e o presidente uruguaio disse que o bloco será prioridade de sua política externa. O presidente Lula e Vázquez devem ter hoje seu primeiro encontro, quando inauguram juntos uma fábrica de malte da Ambev em Paysandú, no interior do país. "Dissemos muitas vezes e dizemos agora uma vez mais: o governo que assume hoje quer mais Mercosul e um Mercosul melhor", disse Tabaré no discurso de posse. O ex-presidente Jorge Batlle adotava postura distinta, especialmente em negociações comerciais. O Uruguai negociou à revelia do Mercosul um acordo de investimento com os EUA e estava fora do G-20, o grupo formado pelo Brasil para defender interesses dos países em desenvolvimento na Rodada de Doha, além de ter indicado candidato próprio para a direção da Organização Mundial do Comércio, que concorrerá com o brasileiro Luis Felipe Seixas Correa. Apesar da aproximação com o Brasil, funcionários do novo governo já disseram que a candidatura à OMC será mantida.