Título: Serviços e administrados explicam rigidez da inflação
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2009, Brasil, p. A7

A inflação no Brasil exibe uma trajetória benigna, mas algumas características do sistema de formação de preços no país impedem um recuo mais forte dos índices inflacionários, mesmo num quadro de forte desaceleração da economia. Essa é a visão da maior parte dos analistas, que destacam o peso da inflação passada nos preços administrados (como tarifas de energia elétrica e telefonia) e serviços (como mensalidades escolares e aluguéis). Outro fator que ajuda a explicar a queda mais lenta da inflação é a situação do mercado de trabalho, dizem alguns economistas. Apesar da recente onda de demissões, a massa salarial continuou a crescer nos últimos meses.

Reportagem publicada ontem pelo Valor mostra a preocupação do Banco Central (BC) com a queda mais lenta da inflação no Brasil do que em outros países, apesar da forte retração da economia. Enquanto por aqui o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 12 meses caiu 0,5 ponto percentual entre setembro de 2008 e janeiro deste ano, de 6,3% para 5,8%, nos EUA a inflação ao consumidor recuou 4,9 pontos no período. No Chile, houve queda de 2,9 pontos.

O estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, destaca a aceleração recente dos preços de serviços para explicar a resistência da inflação no Brasil num nível relativamente alto. Em setembro, esse grupo de preços acumulava alta de 6,3% em 12 meses, percentual que subiu para 7% em janeiro. "O peso da inflação passada é grande na formação desses preços", diz Lintz, lembrando da forte alta do grupo educação, que subiu 4,95% no IPCA-15 do mês passado.

"No Brasil, há rigidez de alguns grupos de preços, que olham muito para o retrovisor, como os serviços e os administrados", reforça a economista Basiliki Litvac, da MCM Consultores. Entre setembro de 2008 e janeiro deste ano, a alta em 12 meses dos administrados passou de 3,1% para 3,7%. Com isso, os índices de preços mostram mais resistência à queda, mesmo quando a atividade despenca.

Já a inflação dos preços livres (que reúne bens e serviços determinados pelo mercado) em 12 meses caiu de 7,7% em setembro de 2008 para 6,7% em janeiro deste ano. O recuo se deveu integralmente à perda de fôlego das cotações dos bens, que no acumulado em 12 meses passaram de 8,1% para 6,7%, um patamar ainda alto.

Lintz lembra que, no Brasil, alguns números do mercado de trabalho tiveram um comportamento positivo nos últimos meses, a despeito da recente leva de demissões. Em janeiro, a massa salarial cresceu 7,8% acima da inflação sobre o mesmo mês do ano passado. Em dezembro de 2008, a alta foi de 6,7%, na mesma base de comparação. Se não abre espaço para grandes reajuste, esse resultado ajuda a explicar pelo menos por que a inflação cai mais lentamente. A taxa de desemprego no Brasil subiu mais devagar que em outros países. Ela pulou de 7,7% em setembro de 2008 para 8,2% em janeiro deste ano, enquanto a taxa americana subiu de 6,2% para 7,6%.

O economista Fábio Romão, da LCA Consultores, reconhece a maior rigidez de preços administrados e serviços por aqui, mas destaca que alguns dos países em que a inflação caiu mais rápido que no Brasil atravessavam há mais tempo uma desaceleração da economia, caso dos EUA e dos membros da zona do euro. A economia brasileira teve de fato um quarto trimestre de 2008 muito ruim, mas ele acredita que ainda houve alta em relação ao mesmo período do ano anterior, de 2,2%. Na zona do euro, houve recuo de 1,2%.

Outro ponto é que a Petrobras não reduziu os preços dos combustíveis, mesmo com a forte queda do petróleo nos últimos meses. O economista-chefe da SLW Asset Management, Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, ainda acredita que haverá uma queda de 10% da gasolina neste ano, o que tende a reduzir o IPCA em 0,4 ponto. Essa aposta o leva a projetar um IPCA de 3,9% neste ano. Lintz, que não trabalha com redução dos combustíveis, estima um IPCA de 4,5%.

Mesmo com essa maior rigidez da inflação, os analistas veem bastante espaço para o BC cortar os juros. Lintz projeta uma Selic, hoje em 12,75% ao ano, em 9,75% em dezembro, e Basiliki, em 10,25%.