Título: A boa salada que o PT pode fazer com Sarney e Renan
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2009, Opinião, p. A14

Vivendo e aprendendo. E vamos fazer disso uma boa salada". As palavras são do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a proposta de "boa salada" é ao PT: é uma sugestão para que o seu partido viva e aprenda com a eleição do ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) à presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, que disputou com a ex-líder petista Ideli Salvati. "Os votos que elegeram Collor foram os mesmos que elegeram Sarney [presidente do Senado], não vejo isso como surpresa", disse Lula. E, tentando afastar os dissabores dos petistas com o fato de que o partido foi atropelado na disputa, Lula completou: "O PT teria direito à proporcionalidade se ela tivesse sido respeitada desde o começo. Não foi."

A "boa salada" de Lula, que o PT teria que comer sem azeite, vinagre ou mesmo sal, é a seguinte: o PMDB rompeu acordo anterior e disputou as presidências da Câmara e do Senado - e domina a máquina legislativa e o poder de agenda do Parlamento; o PMDB controla a Comissão de Infraestrutura, que tem o poder de fiscalização - e de pressão - sobre as verbas destinadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); o PMDB tem o vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, comissão que, em alguns casos, tem poder terminativo (de aprovação final), substituindo o plenário da Casa; o PMDB tem a presidência da Comissão Mista do Orçamento (CMO), que ficará a cargo do senador Almeida Lima (PMDB-SE), que já declarou não ter preparo "intelectual" para o cargo.

A presidência do Senado e as posições nas comissões foram uma mostra de poder de articulação do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que no ano passado escapou da cassação - pela ajuda militante de Almeida Lima e do senador Wellington Salgado (PMDB-MG), que ganhou a vice-presidência da CCJ de prêmio por lealdade, entre outros - e agora retoma a liderança do Senado e um temível poder de barganha, pelas posições que ocupa com gente própria na estrutura do Senado. De uma tacada, Renan, que é do grupo de Sarney, adquiriu o poder de interferir no Orçamento do PAC, impor vontades no Orçamento da União e causar problemas nas tramitações de matérias.

A vitória de Sarney na disputa pela presidência do Senado contra um petista, o senador Tião Viana (PT-AC), foi comemorada por Lula. Como isso fazia parte do pacote do PMDB do Senado, imagina-se que Lula não tenha achado ruim, nem absurdo, o ingresso de Collor no clube de senadores da base do governo, nem a desenvoltura de Calheiros para tomar outras posições-chave no Senado.

Essa ampliação rápida de poder dos peemedebistas no Senado, numa espécie de aliança entre coronéis do Norte e Nordeste, não é uma fantástica solução de governabilidade, pelo poder de barganha e chantagem que eles ganham. Se isso agrada Lula, no entanto, é porque a governabilidade deixa de ser a preocupação fundamental. Os últimos movimentos do presidente têm mostrado que viabilizar a candidatura da ministra Dilma Rousseff está se tornando uma prioridade absoluta, que Lula tem imposto ao PT e às necessidades de gerenciamento do país. Ceder a toda e qualquer exigência do PMDB faz parte de uma estratégia eleitoral, não de governo.

A enorme popularidade de Lula está criando uma grande distorção de poder entre ele e o seu partido. O chefe do Executivo está agindo como palavra final em cada ato, eleitoral ou institucional, e todos as suas atitudes têm sido no sentido de ampliar o espaço do PMDB e exigir que a base aliada se cale ao ver um partido altamente regionalizado e militante da política tradicional de favores assumir uma posição amplamente hegemônica no Legislativo.

O PT, que esboça reações apenas tópicas sobre essa fase em que o chefe do Executivo assume-se como última palavra sobre decisões partidárias, está sendo conivente com uma perigosa antecipação do processo eleitoral e uma temerária situação política, que deu ao PMDB um perigoso e excessivo poder de interferência nas políticas de governo. E, se tudo acontecer como sempre acontece em assuntos peemedebistas, corre o risco de sequer ter um parceiro nas eleições de 2010. Quem torna o PMDB o parceiro preferencial está sujeito a traições, como a que deu a presidência da Comissão de Infraestrutura para Collor.