Título: Superconcentrações, é disso que o país precisa?
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Fonte: Valor Econômico, 17/04/2009, Opinão, p. A14

O apoio do governo no incentivo ao investimento em novos setores e no desenvolvimento tecnológico é insubstituível

A atuação recente de autoridades governamentais estimulando e financiando, com recursos públicos, superconcentrações de empresas (formando quase monopólios e duopólios) em diferentes setores está provocando significativas alterações na estrutura de nossa economia. Os efeitos dessa política serão sentidos por todos os cidadãos, diretamente como contribuintes e, indiretamente, como consumidores ou empreendedores. A última política industrial efetiva - onde a concentração de empresas era estimulada - foi delineada no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) entre 1975-79, em pleno regime militar. Vale a pena compará-la à ação do governo atual.

Em setembro de 1974, o general Ernesto Geisel editou o II Plano Nacional de Desenvolvimento, elaborado pelo ministro Reis Velloso. Nele prescrevia-se um ambicioso plano de investimentos nas áreas de bens de capital, insumos básicos (petroquímica, celulose, siderurgia) e infraestrutura (energia, transporte ferroviário etc.). O plano era consistente com uma estratégia de construção de base industrial promovida pelo governo e alinhava-se a estudos realizados no Ipea (vide Bonelli e Malan, 1976), que identificavam problemas de crescimento, agravados pelo choque do petróleo de 1973. Empresas estatais e privadas foram estimuladas a se associar, a essas últimas tendo concedido crédito subsidiado para executar os planos de investimentos prescritos, que foram cumpridos, em particular no âmbito da indústria petroquímica e do setor de bens de capital.

Os ganhos de modernização e expansão da base industrial do II PND foram mostrados em Castro e Souza (1985). Os seus custos macroeconômicos, o expressivo crescimento da estatização e do endividamento público, que se traduziram na redução do investimento e do crescimento do PIB nos anos 1980, também foram debatidos. Os custos "ocultos", microeconômicos, porém, receberam menos atenção. Em um regime político autoritário, de economia fechada, administração pública opaca e sem nenhum estímulo à concorrência doméstica, ao contrário, o resultado inevitável pesou sobre os consumidores: por mais de uma década, eles pagaram mais caro pelos bens e serviços ofertados, para os quais tinham reduzida ou nenhuma opção de consumo. Além desse fator perverso, os subsídios pouco transparentes inscritos em financiamentos concedidos com recursos públicos ao setor privado comprometeram a legitimidade, conferida pela sociedade, ao apoio governamental em favor do desenvolvimento industrial. Apoio esse que, no incentivo ao investimento em novos setores e no desenvolvimento tecnológico, é insubstituível.

E, hoje, quais os ganhos do atual ativismo concentrador patrocinado pelo governo? O II PND, ainda que a custo elevado para sociedade, legou modernização e expansão industrial; hoje, a ação do governo estimula a concentração de empresas constituídas e eficientes. A experiência mostra os custos macroeconômicos desse tipo de concentração empresarial: maior rigidez de preços nos mercados que se oligopolizam (ou convertem-se em quase-monopólios), o que faz com que eventual redução da demanda, em lugar de provocar a redução de preços, importe em expressiva queda de produção e de emprego, efeito dramático na situação atual.

Ou seja, havendo menos concorrência - como fatalmente ocorre em mercados altamente concentrados - tem-se, necessariamente, menor eficiência, menos inovação e direta transferência de renda dos consumidores para os oligopólios ou quase-monopólios, os únicos beneficiários desse regime de alta concentração empresarial.

O II PND, malgrado o regime autoritário, foi transparente quanto aos seus objetivos e instrumentos, o que permitiu a sua crítica (vide Lessa, 1978). Hoje, a sociedade não sabe se trata apenas da sovada ladainha dos "campeões nacionais", ou se haveria alguma estratégia implícita na política concentracionista, promovida com recursos públicos. Mas, sabe-se, com certeza, que atual política de concentração contraria a ordem econômica constitucional. Esta é regida pelo princípio da livre concorrência, a qual cabe ao Estado guardar, prevenindo a excessiva concentração de poder de mercado e reprimindo o abuso do poder econômico dele decorrente.

Da mesma forma, é atribuição constitucional do Estado fomentar a economia, função que, sobretudo, o BNDES exerce. Se promover a concorrência é, como diz a experiência que a Lei formalizou, o meio mais eficaz de beneficiar o consumidor, em qualidade e preço, a política de ajuda estatal para fortalecer grupos altamente concentrados não parece ser o caminho apropriado. Também não o é para promover a competitividade das empresas brasileiras, que dependem do estímulo da concorrência para melhorarem sua eficiência.

Balancear a execução desses deveres legais, defesa da concorrência e fomento às empresas e setores, que podem se contrapor, é tarefa complexa a ser enfrentada pelos governantes, porém não impossível. Dois elementos são essenciais, como mais uma vez mostra a experiência. Um planejamento rigoroso, onde os principais critérios e linhas de ação estejam previamente determinados, para evitar casuísmos; e absoluta transparência nas ações a serem cumpridas, para que a sociedade possa acompanhar a destinação dos recursos públicos e verificar os efeitos da política adotada pelos agentes governamentais.

Arthur Barrionuevo é professor da FGV-SP especialista em concorrência e regulação, conselheiro do IBRAC (Instituto Brasileiro de Estudos da Concorrência).

Pedro Dutra é advogado especialista em concorrência e regulação, conselheiro do IBRAC.