Título: Ponto eletrônico de mentirinha
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 23/01/2010, Política, p. 2

Senadores abrem brecha para liberar metade dos funcionários do registro de presença na Casa

O Senado editou um ato para controlar a presença dos 6.390 servidores efetivos e funcionários comissionados que, na prática, pode levar à liberação de metade deles da Casa do registro eletrônico de frequência, previsto para entrar em funcionamento em fevereiro, na volta do recesso parlamentar. A norma editada na última segunda-feira pelo primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), prevê a dispensa do controle eletrônico de trabalhadores dos gabinetes de senadores, integrantes da Mesa Diretora e lideranças por decisão dos parlamentares. A adoção do ponto eletrônico é uma promessa feita em março passado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), como reação à farra do pagamento de horas extras.

Os senadores terão de comunicar por escrito ao diretor-geral da Casa, cargo ocupado atualmente por Haroldo Tajra, quais efetivos e comissionados estão isentos de bater ponto. A liberação será publicada no Portal da Transparência, divisão do site do Senado que contém informações administrativas. Segundo o ato do primeiro-secretário, cada parlamentar assumirá ¿a responsabilidade pelo controle e registro da frequência mensal desses servidores¿.

De acordo com dados do Portal da Transparência de quinta-feira, 1.916 trabalhadores estão funcionalmente lotados nos gabinetes dos 81 senadores em Brasília, 181 outros com os 10 membros da Mesa Diretora e 273, espalhadas pelas 16 lideranças partidárias e blocos de apoio político ¿ um contingente de 2.370 pessoas, ou 37,08% da força de trabalho da Casa. Somando 729 efetivos e comissionados vinculados aos escritórios de apoio dos senadores nos estados e no Distrito Federal, que se submetem a regime próprio de frequência, chega-se a 3.099 trabalhadores que podem prescindir do ponto eletrônico, ou 48,49% do total.

Da conta, foi excluído também um seleto grupo de 16 servidores do alto escalão do Senado que está automaticamente dispensado do registro eletrônico diário. São consultores-gerais, diretores de repartições e assessores da Presidência do Senado. Trabalhadores de setores administrativos, como da Secretaria-Geral da Mesa, de apoio às comissões e da gráfica, terão de bater ponto.

O primeiro-secretário defendeu o ato a fim de acabar com o que ele classifica como ¿discurso da hipocrisia¿. ¿Uns pregam o rigor das normas. Mas, na hora que é para afrouxar, quem afrouxar é que assuma responsabilidade¿, afirmou Heráclito. Para o ¿prefeito¿ do Senado, a mudança não criará duas categorias de trabalhadores: os batedores de ponto e os dispensados. ¿Não há diferenciação, não, há igualdade¿, afirmou ele. O principal argumento é que, a partir de agora, somente receberão horas extras os efetivos e comissionados que baterem ponto eletrônico, além dos 16 servidores do alto escalão do Senado. Assim, haverá uma compensação, avalia Heráclito.

Obrigação

Para Magno Mello, presidente do Sindicato dos Servidores do Legislativo Federal (Sindilegis), é preciso encontrar uma ¿flexibilidade necessária¿ no ato. ¿Essa exceção não precisa ser exceção, pode ser a regra¿, afirmou. Ele exemplifica: um servidor da Secretaria-Geral da Mesa, obrigado a bater ponto, vai trabalhar mais que as 40 horas e ainda ganhar horas extras. Mas trabalhadores de outros setores não terão essa opção. ¿É interessante ter um trabalho mais flexível e em contrapartida não ter hora extra.¿

Por isso, ontem, representantes dos servidores reuniram-se para discutir como tratar do ponto junto à administração do Senado. Decidiram mandar ofício à Casa para que um representante da Diretoria-Geral explique as mudanças. Marcaram novo encontro na próxima terça-feira.

Atualmente, o controle de presença dos trabalhadores fica a cargo do responsável por determinado setor. Num primeiro momento, o sistema eletrônico se resumirá a um registro de entrada e saída do trabalho feito no computador usado pelos servidores e funcionários. Em março, ou no mais tardar abril, o Senado promete instalar o leitor biométrico, com reconhecimento de digital. ¿Tem que sair, nem que seja na porrada¿, afirmou Heráclito, ao admitir que houve uma pressão de servidores para que a medida não fosse implementada.

Memória Reações inócuas

Numa reação à descoberta da Folha de S. Paulo de que o Senado pagou R$ 6,2 milhões em horas extras em janeiro, durante o recesso parlamentar, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), anunciou, em 12 de março, a ¿imediata¿ instalação do ponto eletrônico. O primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), anunciou a criação em três meses. A medida é uma das promessas para conter os milionários gastos do Senado com o pagamento de horas extras, que não tinha um controle mais rígido do Senado. Desde 2003, a Casa já gastou mais de meio bilhão de reais com o bônus salarial.

Depois de o Correio ter revelado em outubro que o projeto de instalação do ponto eletrônico estava parado na burocracia, o Senado anunciou que o instituirá ¿ com a eventual adoção do registro biométrico ¿ em março deste ano. A única mudança concreta tomada foi criar em maio passado o registro eletrônico das horas extras na rede interna do Senado. Agora, para receber o bônus, o servidor tem de marcar a saída.

Mas a medida não surtiu o efeito esperado: a redução de horas extras ao fim do ano. Segundo a Secretaria de Comunicação informou em outubro, a Casa esperava economizar R$ 13 milhões em relação ao gasto com o adicional pago em 2008, de R$ 83,9 milhões. Encerrou 2009, porém, usando R$ 87,6 milhões no bônus, quase R$ 4 milhões a mais.