Título: Arbitragem em baixa
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2009, EU & Investimentos, p. D1

Os fundos long/short, ou fundos de arbitragem com ações, estão minguando. As carteiras que buscam ganhar com a relação entre dois papéis ou entre uma carteira de papéis e um índice representavam no mês passado 0,90% do total de fundos multimercados, depois de chegar a 3,70% em agosto de 2007. O patrimônio dos long/short, que atingiu R$ 9,877 bilhões em 2007, hoje está em R$ 2,475 bilhões, segundo dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) organizados pela Economática. O número de fundos também caiu: de 93 no início de 2008 para 77 agora.

A expectativa, porém, é que esse segmento se recupere, até por ter caído demais, e por ser parte fundamental de uma estratégia de diversificação, diz Nilton Cardoso, consultor e especialista em análise quantitativa, um dos métodos usados para encontrar distorções e oportunidades de arbitragem. Além disso, a forte volatilidade do mercado de ações cria mais oportunidades para esse tipo de estratégia. Um sinal seria o aumento das operações de aluguel de ações na Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), da BM&F Bovespa, que servem de base para as operações de arbitragem.

Em março, o número de operações de aluguel atingiu 61.155, o melhor desde janeiro de 2008. Em abril, a quantidade caiu para 56.203, mas, mesmo assim, é o melhor desde julho de 2008. Ajudaram a elevar esse volume as operações feitas por outros fundos multimercados, que passaram a usar mais a arbitragem diante da instabilidade da bolsa. E o movimento deve aumentar com a entrada em vigor do incentivo de 0,05% que cada investidor receberá da CBLC ao alugar suas ações, além do aluguel pago pelo investidor.

O aluguel de ações é fundamental para os fundos long/short pois é por meio dele que o gestor consegue ficar "vendido" em determinado papel que ele acha que vai cair. Para isso, ele aluga a ação de outro investidor e a vende no mercado. Depois, se a estratégia der certo, ele compra os papéis mais barato no vencimento do aluguel para devolver ao dono, embolsando a diferença. Ao mesmo tempo, ele compra as ações que acha que vão subir e que têm alguma correlação com as vendidas, o que reduz os riscos.

Outra medida que poderá ajudar a melhorar a imagem dos long/shorts será a nova divisão das carteiras preparada pela Anbid, e que vai separá-los em carteiras direcionais e não-direcionais. As direcionais seguem a tendência da bolsa, ampliando-a ou reduzindo seu impacto. Já as não-direcionais são estratégias que nada têm a ver com a tendência do mercado, pois baseiam-se nas relações históricas entre dois papéis.

O problema é que os investidores viam todos os long/shorts como não-direcionais e esperavam que as carteiras os protegessem das oscilações do mercado, o que nem sempre funcionou, diz Cardoso. Além disso, a arbitragem não-direcional pode reduzir o risco da volatilidade, mas não o elimina. "Muitas vezes a volatilidade destrói a relação entre os papéis e isso acaba com a estratégia long/short, porque tudo sobe ou tudo cai e o gestor perde nas duas pontas", diz.

Foi o que ocorreu antes e depois da recente crise financeira, destaca o diretor da Claritas Investimentos, Marcelo Karvelis. "No mercado de euforia, em 2007, esses fundos sofreram porque tudo subia sem distinção, ação boa e ruim, dado o fluxo intenso de recursos para bolsa", afirma. Isso acabou colocando em risco a estratégia básica adotada pelo gestor, de comprar o que acha que vai subir e vender o que não gosta. Na crise, ocorreu justamente o inverso, conta Karvelis. "O pânico provocou a venda indiscriminada de ações, de empresa boa ou não, e o gestor mais uma vez não teve para onde correr."

As perspectivas para esses fundos, no entanto, já estão muito melhores. "Hoje, pode ser um bom momento para apostas nos long/short, uma vez que a tendência, passada a fase de pânico, é de os mercados convergirem para os fundamentos", diz Karvelis. Tanto que três carteiras do tipo decidiram reabrir para captações recentemente - Fides Long Short, Victoire Long Short e Schroder BR Long & Short.

Na visão de Luis Stuhlberger, sócio da Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG), a reversão brusca do movimento de alta das ações de empresas menores, as "small caps", a partir dos primeiros sinais da crise financeira, em junho de 2007, foi o principal motivo das perdas registradas pelas carteiras long/short. "Essa foi a estratégia mais prejudicada pela crise, mas vem se recuperando."

Levantamento da CSHG aponta que a relação entre os índices de "small caps" e "large caps", que até junho de 2007 era de 1,05, caiu para 0,45. A queda brusca dessa relação, de aproximadamente 60%, acabou pegando no contrapé gestores de long/short, que vinham apostando na alta das ações de menor capitalização e na baixa das mais líquidas. Lá fora, destaca Stuhlberger, essa queda na correlação foi menor, entre 20% e 25%.

O sócio da CSHG para a área de relações institucionais, Luis Vicente d´Amato, diz que no Brasil é difícil fazer long/short. Segundo ele, olhando para os fundamentos da economia local, faz sentido montar posições compradas (apostando na alta) em setores não ligados a commodities e vendidas em commodities, mas a forte dependência do fluxo externo acaba distorcendo os preços. Ele cita ainda a restrição para montar posições vendidas (acreditando na baixa). "Há poucas opções de ações para vender." Mas isso não vai durar para sempre e essa uma estratégia que vai sempre existir.

Havia uma expectativa muito grande dos clientes de que os fundos long/short tinham uma descorrelação com a bolsa, mas o que se viu foi que essas carteiras perderam no momento que a bolsa se desvalorizava, lembra Alexandre Rezende, sócio da Oceana Investimentos. Além disso, com a forte saída dos investidores estrangeiros durante o momento mais agudo da crise, as ações de segunda linha sofreram mais, trazendo perdas para os fundos que apostavam na alta desses papéis. Muitos gestores tiveram também de se desfazer de posições para honrar os resgates dos clientes.

Mas agora, o que se vê é que as distorções entre os pares de ações estão maiores, o que significa que a possibilidade de retornos diferenciados para os fundos long/short ficou maior, avalia Rezende. "Essas distorções já foram maiores no início do ano, mas ainda há oportunidades no mercado", diz. Outro ponto positivo está na redução do custo para alugar papéis. "Houve um momento em que o custo médio com aluguéis chegou a 6% ao ano, o que inviabiliza uma série de operações para um fundo", diz o executivo. Agora, esse custo está em torno de 2,92% para a média das ações do Índice Bovespa. (Colaborou Luciana Monteiro)