Título: Custo do trem-bala fica em US$ 15 bilhões
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2009, Brasil, p. A5

Custará pelo menos US$ 15 bilhões o trem de alta velocidade (TAV) Rio-São Paulo-Campinas, que terá sua estação de partida provavelmente no Campo de Marte, na zona norte da capital paulista. Em 2014, ano previsto para a sua entrada em funcionamento, deverão circular até 31 milhões de passageiros nas oito estações de parada obrigatória.

Curiosamente, o fluxo maior se concentrará em ligações regionais: os trechos São Paulo-Campinas e São Paulo-São José dos Campos, com projeção de receber cerca de 21 milhões de passageiros (quase 60 mil pessoas por dia). O trajeto Rio-São Paulo, levando em conta ligações dentro do território fluminense - por exemplo, entre o Rio e Volta Redonda ou Barra Mansa -, transportará aproximadamente 10 milhões de passageiros por ano.

Esse é o resumo do que está sendo discutindo hoje pelo governo, em sigilo total, após o recebimento do estudo encomendado à consultoria britânica Halcrow. O relatório estava previsto para o fim de 2008, atrasou e chegou às mãos das autoridades brasileiras no início de abril, com algumas surpresas. A maior delas é quanto ao custo do trem, preliminarmente avaliado em US$ 11 bilhões, o que já lhe garantia a condição de projeto mais caro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em seus estudos, "pegando as piores condições possíveis", como diz uma fonte que examina o relatório da Halcrow, a consultoria estimou gastos superiores a US$ 20 bilhões.

Consultores brasileiros foram contratados para analisar o traçado e o orçamento propostos pela Halcrow. A meta é baixar o investimento estimado para US$ 15 bilhões, valor com o qual o governo ficará satisfeito. Para definir onde será melhor cavar túneis ou erguer viadutos, se os túneis serão de mão única ou se haverá duas vias, calcular a terraplanagem necessária e identificar o solo onde haverá trabalhos subterrâneos, o governo considera essencial aperfeiçoar os estudos geológicos, que ficarão prontos no fim de maio. Concentra-se na análise desses estudos a expectativa de baixar o valor do investimento no TAV, já que pelo menos 75% do gasto total será nas obras civis - o restante irá para a compra de equipamentos, como os trens, e a operação do sistema.

O estudo da Halcrow reforçou a convicção no governo de que o trem-bala tem viabilidade, mas também a percepção de que a injeção direta de recursos públicos é imprescindível. A participação estatal no projeto será estimada após o término das simulações sobre o fluxo de caixa do TAV.

É muito provável que o BNDES-Par e fundos de pensão sejam "convidados" a participar do investimento, como minoritários, mas não há mais dúvidas sobre a exigência de aplicação de recursos diretos. Isso pode fazer com que o período de concessão do trem-bala diminua de 50 anos, prazo máximo estabelecido pela Lei de Concessões, para 35 anos, o máximo permitido pela lei que regulamenta as parcerias público-privadas (PPPs).

O governo faz absoluta questão de que os investidores não apenas construam, mas operem o TAV. Isso pode contrariar parte dos interessados, como chineses e espanhóis, que preferiam encarregar-se apenas da construção e do fornecimento das composições. Mas esse modelo está descartado. Quem entrar na licitação, entrará sabendo que precisará operar o trem durante todo o período de concessão. Uma estatal ou nova autarquia será criada com o objetivo específico de coordenar o processo de absorção de tecnologias estrangeiras - pré-condição do projeto.

Hoje, trabalha-se internamente com o seguinte cronograma: colocar os estudos em consulta pública (30 dias) em junho, enviar a documentação para análise do TCU (45 dias) em julho e divulgar o edital de licitação em agosto. No caso de rodovias ou projetos de energia elétrica, é comum que os leilões sejam realizados um mês após a publicação do edital. Para o trem-bala, por ser um empreendimento inédito no Brasil e com várias tecnologias diferentes à disposição no mundo, os investidores interessados pediram ao governo um prazo entre quatro e seis meses, o que deve levar o leilão automaticamente para o início de 2010.

Serão dois tipos de viagem: expressa (ligação direta entre Rio e São Paulo), com duração de 1h35 a 1h40, e "pinga-pinga". A velocidade máxima poderá alcançar 350 quilômetros por hora, o que será possível graças a rampas com inclinação máxima de 3,5% e curvas bastante abertas, com raio de sete quilômetros - isto é, ao simular curvas hipotéticas de 360° completos, o raio projetado tem essa extensão. Do ponto de vista da engenharia, o maior obstáculo é a transposição da Serra das Araras, no Rio de Janeiro.

A princípio, como na usina hidrelétrica de Jirau, o consórcio vencedor poderá fazer pedidos de pequenas mudanças no traçado proposto. Nas regras para definir o vitorioso no leilão, dificilmente a menor tarifa será o único critério. O tempo de execução da obra e a menor contrapartida de dinheiro público deverão ser valorizados. Há convicção no governo de que o TAV ainda pode entrar em operação em 2014, data emblemática por ser o ano de realização da Copa do Mundo no Brasil, embora muitos especialistas digam nos bastidores que o cronograma desejado é irreal.

A seu favor, o governo usa o argumento de que alguns dos investidores interessados afirmam garantir a execução em tempo hábil. Os chineses, por exemplo, ressaltam o fato de que o trem-bala entre Pequim e Xangai, com extensão de 1.318 quilômetros, teve obras iniciadas em abril de 2008 e demorará três anos e meio para entrar em operação.

Conversas já foram iniciadas pela União com os governos estaduais do Rio e de São Paulo, além das prefeituras das duas capitais, Campinas, São José dos Campos, Volta Redonda e Barra Mansa. A expectativa do governo, depois das obras de implantação do TAV, é promover três "ondas" de estímulos econômicos. A primeira é com a criação de centros comerciais nas estações. A segunda deverá abranger empreendimentos imobiliários nas imediações das estações - prédios de escritórios, shopping centers, centros de convenções e condomínios residenciais de alto padrão -, facilitando a vida de pessoas que queiram morar no interior e trabalhar em São Paulo ou no Rio. A terceira onda envolveria a abertura de grandes avenidas e obras de transporte coletivo, como metrô e corredores de ônibus, para tornar mais fácil o acesso às estações do trem-bala.

Em São Paulo, falava-se inicialmente na Luz como ponto de partida do TAV. Mas a ocupação do centro da cidade - inclusive subterrânea - inviabiliza essa possibilidade. As opções estudadas passaram a ser Barra Funda e Campo de Marte; a segunda alternativa é a favorita, apesar de atualmente não estar integrada ao sistema de metrô. As outras sete estações deverão estar em Campinas, São José dos Campos e Volta Redonda ou Barra Mansa; a do Rio de Janeiro ficará na estação Leopoldina ou Central do Brasil; e em três aeroportos (Guarulhos, Galeão e Viracopos).

O governo não cogita, para baixar o valor do investimento, reduzir a velocidade do trem. Especialistas dizem que é possível cortar substancialmente os custos levando a velocidade máxima para algo em torno de 200 quilômetros por hora, como funcionam muitos trens expressos nos Estados Unidos. Para atrair os passageiros de avião, a tarifa deverá ficar em cerca de metade do que é cobrado na ponte aérea Rio-São Paulo. Estima-se uma migração do transporte aéreo para o ferroviário, mas não tão forte como foi verificado na ligação Londres-Paris. A diferença, no caso brasileiro, é a localização central dos aeroportos de Congonhas e do Santos Dumont, que reduzem o tempo de deslocamento.