Título: Queda nos investimentos em gás e petróleo ameaça a oferta futura
Autor: Swartz , Spencer
Fonte: Valor Econômico, 20/05/2009, Internacional, p. A10

Os investimentos em produção de petróleo e gás natural estão "despencando" devido à recessão, o que abre caminho para grandes altas no preço desses produtos dentro de três anos, adverte a Agência Internacional de Energia em novo relatório.

A agência, com sede em Paris e que assessora os principais países consumidores de energia, informa que, nos últimos meses, empresas petrolíferas e investidores cancelaram ou adiaram indefinidamente investimentos no valor de US$ 170 bilhões, equivalentes a cerca de 2 milhões de barris diários em abastecimento futuro de petróleo.

Outros 4,2 milhões de barris diários em capacidade futura foram adiados por pelo menos 18 meses, devido aos cortes de gastos em empresas que não estão conseguindo financiamento, ou ainda que estão menos dispostas a arriscar o seu capital.

O relatório da AIE avalia o impacto da recessão econômica sobre as empresas perfuradoras, as produtoras de combustível e o setor energético em geral - e também sobre os esforços globais para reduzir as emissões de dióxido de carbono. O estudo será apresentado a ministros de Energia do G-8 (grupo dos sete países mais ricos do mundo, mais a Rússia), neste fim semana em Roma, e para os líderes do G-8 em reunião de cúpula em julho.

O relatório destaca o risco crescente de que os suprimentos de petróleo, embora abundantes no momento devido ao fraco consumo mundial, poderiam escassear rapidamente assim que a economia global se reerguer.

"O que estamos dizendo é que por volta de 2012 o impacto desta grande recessão sobre os investimentos e a capacidade petrolífera, caso continuem as atuais tendências, poderá ser grave, com o petróleo muito mais caro", afirmou Fatih Birol, economista-chefe da AIE. A agência é financiada pelos 28 maiores consumidores mundiais de energia, em especial Estados Unidos e Japão. Ela há muito vem pedindo investimentos mais agressivos para aumentar as reservas petrolíferas.

O relatório, a que o "Wall Street Journal" teve acesso, também observa que a maioria dos projetos adiados ou cancelados se localiza em países politicamente estáveis, não pertencentes à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), como o Canadá. Essas fontes levam mais anos para desenvolver do que o petróleo encontrado nos países-membros da Opep, que normalmente é de extração mais fácil e mais barata.

A incógnita, é claro, é o ritmo com que a demanda mundial de petróleo vai se recuperar. Muitos governos do mundo desenvolvido estão adotando medidas para aumentar a eficiência energética, o que poderá moderar a subida nos preços da commodity quando a demanda se recuperar. A AIE avalia que este ano a demanda cairá 3% - a queda mais acentuada em cerca de 30 anos -, para 83 milhões de barris diários.

Muitos analistas, porém, acreditam que o preço do petróleo pode nos próximos anos voltar a superar mais uma vez a barreira de US$ 100 por barril, rompida no ano passado, por causa de dois fatores: o crescimento relativamente rápido do consumo energético em mercados emergentes, como a China, e o fato de que boa parte do petróleo mundial fácil de extrair já foi descoberto.

Ontem, o preço de referência do petróleo nos EUA fechou em alta de US$ 0,62, a US$ 59,65 o barril, na Bolsa Mercantil de Nova York.

Embora criticada por ter deixado de observar alguns fatos importantes, como o forte aumento da demanda chinesa em 2003, a AIE ainda é considerada um dos órgãos do setor com estatísticas mais confiáveis, em parte porque obtém dados de seus países-membros.

A agência informou que o Canadá, que tem a segunda maior reserva petrolífera comprovada, depois da Arábia Saudita, foi o país mais atingido pela queda nos investimentos.

No Canadá foram suspensos ou cancelados cerca de 15 projetos de extração de petróleo de areias betuminosas, envolvendo 1,7 milhão de barris diários em capacidade de produção e US$ 150 bilhões em investimentos.

As areias betuminosas são fonte de um petróleo caro e difícil de produzir, mas utilizado por países importadores, como os EUA, para reduzir a sua dependência do petróleo da Opep.

Mas as areias petrolíferas precisam, em geral, de um preço mínimo de US$ 55 a US$ 60 por barril para serem exploradas com lucro. O petróleo estava abaixo desse nível desde o fim do ano passado.

Outro problema que se aproxima: a queda nos investimentos, se prolongada, vai exacerbar o declínio da produção nos campos em processo de esgotamento. Esses campos mais antigos, na Rússia e no México, exigem muita manutenção e investimentos apenas para evitar que a produção caia.

Birol, que já foi analista da Opep, disse que as projeções da capacidade de produção no longo prazo ainda podem piorar devido à queda nos investimentos da Opep, que detém cerca de 80% das reservas mundiais comprovadas.

Embora o declínio na atividade econômica vá reduzir o aumento nas emissões de dióxido de carbono este ano, pode ocorrer um aumento muito maior nos níveis de emissões a longo prazo se os problemas de financiamento cortarem os investimentos em tecnologias mais limpas, como a energia solar.

Os investimentos mundiais em biorrefinarias, que produzem combustíveis como o etanol - alternativa de combustão mais limpa do que a gasolina, mas uma parte muito pequena do mercado geral de combustíveis - caíram para apenas US$ 1 bilhão no primeiro trimestre, em comparação com US$ 5,7 bilhões no quarto trimestre de 2007, segundo a AIE.

Muitas pequenas empresas desse setor perderam acesso ao crédito, pois as instituições financeiras agora exigem retornos mais altos.

A AIE informou que este ano os investimentos globais em fontes renováveis, tais como a energia eólica, podem cair quase 40%, para US$ 51 bilhões, se as tendências atuais continuarem. Esses números não incluem as verbas relativamente pequenas que alguns governos já reservaram para fontes mais limpas em seus grandes pacotes de estímulo fiscal.

Os pacotes de estímulo destinam, mundialmente, em torno de US$ 132 bilhões em novos financiamentos para energia renovável e programas de eficiência energética, mas os governos precisam quadruplicar esses gastos - e mantê-los por muitos anos - para atingir as ambiciosas metas de redução de emissões de carbono, segundo a AIE.

"As verbas para energia limpa dos pacotes de estímulo anunciados até agora são muito inferiores às necessárias para se conseguir um uso sustentável de energia no longo prazo", disse o relatório.