Título: Hospitais ajudarão na gestão de rede pública
Autor: Koike , Beth
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2009, Empresas, p. B4

O teto cheio de buracos para escorrer a goteira salta aos olhos de quem chega à sala da diretoria do Hospital da Lagoa, no Rio. Ao redor do prédio, que tem arquitetura assinada por Oscar Niemeyer e jardins projetados por Burle Max, vê-se areia e cimento para obras. Alguns andares já estão totalmente reformados, mas outros pavimentos ainda mantêm a estrutura antiga, que remete ao período de abandono, entre 1999 e 2005, em que quatro dos seis hospitais federais cariocas foram administrados pelo município. Há quatro anos, o governo federal decretou estado de calamidade e retomou a gestão dos hospitais da Lagoa, Andaraí, Ipanema e Jacarepaguá. Desde então, essas instituições estão passando por uma profunda reestruturação, que inclui repaginação predial e novos equipamentos médicos. Agora, seis dos mais famosos hospitais privados do país terão de contribuir com esse processo de recuperação.

Os paulistas Albert Einstein, Oswaldo Cruz, HCor, Samaritano, Sírio-Libanês e o gaúcho Moinhos de Vento foram acionados pelo Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, para participar, até 2011, da gestão dos seis hospitais federais do Rio - Lagoa, Jacarepaguá, Ipanema, Andaraí, Servidores do Estado e Bonsucesso - como contrapartida à renúncia fiscal a que têm direito, por serem instituições filantrópicas. Em três anos, período de vigência do parceria, a isenção das contribuições sociais é de cerca de R$ 680 milhões. "Esses seis filantrópicos têm uma renúncia de mais de R$ 600 milhões. Agora eles precisam justificar atendendo o SUS (Sistema Único de Saúde). Entre outras ações, criamos um programa em que essa renúncia também pudesse ser traduzida em gestão", diz Márcia Bassit, secretária-executiva do Ministério da Saúde.

É a primeira vez que esses hospitais terão de realizar uma contrapartida de longo prazo fora de suas praças de atuação. Até então, para garantir o certificado de filantrópicos, destinavam 20% de sua receita a ações sociais de sua escolha, que em muitos casos beneficiavam comunidades de regiões próximas a suas instalações. Em novembro do ano passado, no entanto, esses seis filantrópicos assinaram um acordo com o Ministério da Saúde para os próximos três anos, que vincula os projetos de contrapartida das isenções ao SUS. No total, o programa contempla mais de 100 projetos, porém o único em comum entre os seis privados é o do Rio de Janeiro.

A parceria entre os hospitais filantrópicos e os públicos cariocas será anunciada hoje no Rio pelo ministro Temporão, que comunicará também um investimento de R$ 200 milhões do governo nas seis instituições federais nos próximos dois anos a serem revertidos, principalmente, em obras prediais. Nesse projeto, os filantrópicos entram com outros R$ 40,8 milhões que serão usados para a contratação de consultorias de gestão e de certificação. Uma delas é a consultoria mineira INDG, especializada em parcerias público-privadas. "A primeira ação será diagnosticar a situação de cada um dos seis hospitais, o que acontecerá nos próximos três meses. Depois, será definido um foco de atuação para cada hospital e começa a gestão propriamente dita", explica Luiz Mota, superintendente do HCor e coordenador dos filantrópicos no projeto.

Porém, o gerenciamento dos hospitais cariocas é um capítulo à parte. Tanto os filantrópicos como o Ministério da Saúde já preveem um choque de gestão, pelas diferenças entre as culturas. "Haverá sim um confronto imediato entre o público e o privado. Além disso, tem o bairrismo entre cariocas e paulistas. É uma tarefa difícil, mas alguém tem que começar", diz Claudio Lottemberg, presidente do Albert Einstein e ex-secretário municipal da saúde em São Paulo em 2005. "Já esperamos um choque de gestão. O funcionário público tem outro ritmo e não é acostumado a trabalhar por resultado. Por isso, está sendo contratada uma consultoria acostumada a fazer essa intermediação, com metologia e isenção para apontar como o funcionário público deve fazer o trabalho", diz Márcia Bassit.

Para aparar as pontas desse projeto, o Ministério da Saúde fez uma contratação a toque de caixa de 88 gestores temporários, cujo contrato é de cinco anos. Esse número pode chegar a 105 profissionais com passagens pela iniciativa privada e órgãos públicos. Segundo Márcia, cada hospital terá um grupo com cerca de 15 gestores que serão coordenados pelo INDG, com a orientação dos hospitais privados.

A contratação desse grupo, feito por meio de um processo seletivo, é um avanço levando-se em consideração o estigma que esses hospitais ainda carregam e que por muito tempo afugentou bons profissionais. No período em que esteve nas mãos do município, o hospital Andaraí, por exemplo, foi alvo de denúncia de corrupção nas compras de materiais. A Polícia Federal abriu inquérito, em dezembro do ano passado, para investigar o caso e afastou o chefe de divisão de suprimentos da época. "Há casos de diretores que tentaram mudar esses hospitais, mas tiveram que andar com guarda costas e desistiram de seus cargos", diz uma fonte que prefere não identificar. "Esse é um estigma que vamos ter que superar e estamos trabalhando para isso", complementa a secretária-executiva.

O Ministério da Saúde acredita que nos próximos cinco anos terá um quadro de funcionários diferente em relação ao atual, que poderá contribuir para uma gestão com perfil de iniciativa privada. Segundo Márcia, cerca de 5 mil servidores vão se aposentar até 2014. "Está chegando muita gente nova que vai oxigenar os hospitais", diz ela. Ela lembra que já há 1,6 mil novos servidores federais, que substituíram os funcionários que voltaram à rede municipal com a "refederalização" dos hospitais.

A contratação de mais de uma centena de gestores também está sendo feita já de olho no projeto de lei, que tramita no Congresso, de criação de fundações público-privadas em que os hospitais continuam pertencendo à União, mas podem ser gerenciados como uma empresa com demissões e flexibilidade de contratos de compras, entre outros.

Hoje, esse tipo de organização já existe em São Paulo, com casos bem-sucedidos (ver texto abaixo). Esses exemplos teriam motivado Temporão a propor que os os filantrópicos contribuíssem na gestão das instituições cariocas. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a ideia inicial do ministro era que cada um dos seis filantrópicos assumisse um hospital federal. Mas essa opção não teria sido aceita pelos filantrópicos, que preferiram atuar em conjunto. "Hoje, os filantrópicos vão ajudar com R$ 40 milhões com as consultorias, mas queremos muito mais deles", afirma a secretária executiva do Ministério da Saúde.