Título: O índice da discórdia
Autor: Angelo Pavini e Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2005, EU &, p. D1

Nem bem foi criado e o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa de Valores de São Paulo já está sob fogo cerrado de empresas que temem o impacto de ficar de fora do referencial de companhias socialmente responsáveis e que respeitam o meio-ambiente e o investidor. O índice excluiria também fabricantes de produtos vistos como prejudiciais, como bebidas, fumo e armas. Segundo fontes envolvidas na elaboração do referencial, as entidades que participam do conselho deliberativo do índice sofreram fortes pressões de algumas empresas, levando alguns representantes a renunciar. A pressão inclui ameaças de suspensão de patrocínios a algumas entidades que participam do conselho. Por conta do lobby das empresas, diz um participante, é provável que o índice não exclua companhias e opte por atribuir pesos diferenciados. Procurada a Bovespa não quis comentar o assunto. O índice faz sucesso no exterior, onde a preocupação dos investidores com a atitude das empresas diante dessas questões é cada vez maior. Um exemplo é o Dow Jones World Composite Sustainability. Grã-Bretanha e África do Sul já possuem indicadores semelhantes. No caso do Dow Jones, há também versões com a exclusão de alguns setores como fumo, bebidas, armas e jogos. Há três semanas, a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) enviou carta à Bovespa se dizendo contrária a criação do índice. Segundo o presidente da entidade, Alfried Plöger, não é papel da bolsa criar a classificação. Ele questiona também os critérios e o fato de a entidade não ter sido convidada para o processo. No Brasil, o indicador começou a ser montado pela Bovespa no ano passado, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FVG) e algumas Organizações Não-Governamentais (ONGs). A previsão era de que ele estivesse em vigor em maio. A carta da Abrasca, apresentada na reunião do Conselho da Bovespa na semana passada, porém, jogou um balde de água fria na discussão e criou um debate entre os conselheiros sobre como evitar um confronto com as empresas. "Estamos encontrando resistência de algumas empresas, mas não criar esse tipo de indicador é ir na contra-mão do resto do mundo", diz um executivo que participa das discussões na bolsa. Segundo ele, é possível que haja algumas mudanças na proposta para tentar tornar o índice mais palatável, entre elas a mudança do nome do indicador ou optar pelo peso diferenciado. Para esse executivo, é inevitável que algumas companhias com forte presença na bolsa fiquem de fora, como as de setores de bebidas alcoólicas, armas e tabaco. Mas ele defende que é necessário chamar a atenção do mercado para esse tipo de preocupação. "É preciso conscientizar as empresas de que esse caminho da sustentabilidade deve ser seguido, é uma tendência mundial e um critério usado até por organismos internacionais para decidir a concessão de crédito", diz. Mas a discussão não vai ser fácil. Segundo Plöger, da Abrasca, a associação fez uma reunião no fim do ano passado com um diretor da Bovespa para discutir o índice e a rejeição foi unânime, inclusive de setores que não seriam afetados, como comércio, serviços e bancos. Ele lembra que empresas como AmBev, de bebidas, e Souza Cruz, de cigarros, têm projetos sociais importantes, estão operando dentro das leis do país, criam empregos e desenvolvem a economia. "Elas são indispensáveis para o Brasil." Plöger questiona os critérios para a empresa fazer parte do índice, como não prejudicar o meio-ambiente em toda sua cadeia produtiva. "Se seguirmos ao pé da letra, dá para deixar uma Petrobras de fora porque há acidentes e vazamentos?" afirma. "Ou no caso das siderúrgicas, uma Cosipa, pela poluição em Cubatão?" A Abrasca questiona também se é a bolsa quem deve ser o árbitro dessa questão. Para Plöger, não. E acha que mesmo a FGV não teria condições de definir os critérios. "A comissão é um saco de ONGs, com um viés muito dirigido", afirma. "No final, as decisões vão ser políticas, quem vai tirar uma Gerdau do índice porque ela fornece para a Forjas Taurus?", desafia. Mas Plöger diz que não vê problema nos fundos de investimentos criados dentro dos critérios de sustentabilidade. E defende que quem deve fazer a seleção é o investidor. Para o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Luiz Leonardo Cantidiano, a Abrasca não tem razão ao questionar a criação do índice pela Bovespa. Segundo ele, todos os indicadores têm algum tipo de juízo de valor na definição de seus critérios. Ele lembra ainda que o referencial seria positivo para estimular outras empresas a ser socialmente responsáveis e assim fazerem parte da carteira. "E não estar no índice não significa não ser socialmente responsável, mas apenas não estar entre as principais", acrescenta.