Título: As chances perdidas da Europa
Autor: Wolfgang Munchau
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2005, Opinião, p. A13

Se os líderes da União Européia tivessem sido sérios sobre a revitalização da economia, deveriam ter tomado três decisões no seu encontro de cúpula da semana passada. A melhor medida isolada para elevar a taxa de crescimento potencial teria sido, de longe, a adoção da diretriz de serviços, para a criação de um único e livre mercado para serviços dentro da União. Segundo, os líderes poderiam ter adotado um enfoque rigoroso sobre crescimento e emprego, quando tomaram para si a análise de metade de mandato da agenda de Lisboa, um projeto de reformas microeconômicas que se esgotou. Por último, eles deveriam ter elaborado um plano de redução de déficit para o médio prazo. Na verdade, em cada ponto, eles fizeram o contrário. De acordo com o pacto de estabilidade e crescimento reformado, as regras que dão sustentação à política fiscal dos países membros da UE, os governos poderão apresentar déficits orçamentários de mais de 3% do PIB por vários anos sem enfrentarem uma penalidade. Estimo que a reforma elevará o déficit sazonalmente ajustado da zona do euro, de cerca de 2% do PIB, atualmente, para cerca de 2,5% do PIB, no médio prazo. Eles também perderam duas grandes oportunidades para a próxima etapa da reforma econômica. Mais uma vez, eles conseguiram sobrecarregar a agenda de Lisboa com uma coleção difusa de mais de 100 metas políticas e descartaram a diretriz de serviços. Esta última é particularmente impopular na França, pois o presidente Jacques Chirac e seu governo não conseguiram explicá-la aos seus cidadãos. Ironicamente, a França teria sido uma das principais beneficiárias, porém o debate sobre a diretriz se concentrou exclusivamente sobre a perspectiva de perdas de postos de trabalho em alguns setores. A decisão de suprimi-la é um sinal de pânico, exatamente quando pesquisas de opinião pública agora prevêem uma vitória para a campanha do "não" no referendo da França sobre a constituição européia, em 29 de maio. Tomadas individualmente, cada uma das decisões da semana passada foi ruim. No conjunto, porém, são arrasadoras. A zona do euro quase poderia se permitir um pequeno aumento no déficit. Ele também poderia se permitir ser complacente sobre sua taxa de crescimento. Mas ele não pode se permitir fazer ambos ao mesmo tempo sem enfrentar uma insolvência de longo prazo.

União precisa de uma diretriz de serviços, de enfoque sobre crescimento e emprego e de um plano de redução de déficit para médio prazo

No começo dos anos 1990, a UE atingiu uma taxa de crescimento anual nominal de 5% e taxas médias de dívida para o PIB de cerca de 60%. Para se manterem coerentes com esses números, os autores do Tratado de Maastricht calcularam a taxa máxima de déficit para o PIB em 3%. O desempenho da economia da UE, porém, se deteriorou desde então. No ano passado, a Alemanha tinha uma taxa de déficit em relação ao PIB de 3,8%, porém uma taxa de crescimento nominal de apenas 2,3%. Esses números são coerentes com uma taxa de dívida em relação ao PIB de 165%. Se incluíssemos passivos contingentes decorrentes do custo de populações idosas, a taxa poderia explodir. A agência de classificação de crédito Standard & Poor's calculou que a taxa de dívida em relação ao PIB para a França e a Alemanha poderia ultrapassar a marca de 220% até a metade do século, se não forem tomadas medidas corretivas - se a taxa de crescimento potencial da Alemanha fosse de apenas 1%, como argumentam alguns economistas, a taxa seria ainda mais elevada. ("In the Long Run, We Are All Debt: Ageing Societies and Sovereign Ratings in Leading OECD Countries", em www.standardandpoors.com ) - "No Longo Prazo, Todos Estaremos Endividados: Sociedades Idosas e Classificações Soberanas nos Principais Países Desenvolvidos", em www.standardadpoors.com ). Os governos da UE puderam apresentar déficits excessivos porque era barato obter dinheiro. A França recentemente captou fundos por meio de um título de governo de 50 anos a um preço que atribui risco de calote de virtualmente zero. A emissão teve subscrição superior aos limites. Gordon Brown, o ministro das Finanças do Reino Unido, estimulado pela experiência francesa, também anunciou um título de 50 anos, e os alemães estão pensando sobre o assunto. Considerando-se que esses três países enfrentam graves problemas de liquidez de longo prazo, seria o caso de se perguntar porque os mercados estão dispostos a comprar títulos cujas obrigações provavelmente não serão honradas, se a política econômica se mantiver na sua trajetória presente. O motivo, naturalmente, é o excesso de liquidez nos mercados de títulos. Como qualquer bolha, essa bolha de títulos governamentais deverá estourar no fim. Quando isso ocorrer, os investidores de repente desenvolverão um franco interesse no pacto de estabilidade e nas políticas para aprimorar o crescimento econômico. Enquanto os investidores continuarem dispostos a emprestar para governos da UE em termos tão irracionais, no entanto, os governos terão pouco estímulo para cortar déficits e implementar reformas políticas.