Título: Agronegócio e distribuição de renda
Autor: Geraldo S. de Camargo Barros e Humberto F. S. Spol
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2005, Opinião, p. A10

A questão de como o crescimento econômico interage com a distribuição de renda é controversa e está longe de ser resolvida. A polêmica permanece em grande medida devido às dificuldades de se observar com clareza a partilha - caso ocorra - dos frutos do crescimento entre os vários segmentos da sociedade. A seguir tentamos ilustrar como essa partilha se dá no caso do agronegócio. Papel central é desempenhado pela taxa de câmbio e pelas exportações. Consideraremos dois períodos: um com câmbio valorizado e exportações estagnadas e outro com câmbio livre (e mais desvalorizado) e exportações em expansão. O agronegócio se diferencia dos demais setores. Numa ponta há muitos produtores de matérias-primas - aqui denominado agropecuária - que não têm nenhum poder na fixação dos preços que recebem. Estes vendem seus produtos e compram seus insumos em mercados oligopolizados, que vão desde as agroindústrias até os supermercados. Estes, da ponta consumidora, apesar de bastante concentrados, concorrem entre si, numa acirrada disputa pela renda do consumidor. A pressão para conter preços vem dos consumidores e chega até os produtores que, para sobreviver, precisam ser eficientes e propensos a adotar as mais modernas tecnologias redutoras de custos. Como a maioria emprega tais técnicas, a produção cresce e, se as exportações não escoarem os excedentes, os preços tendem a cair; quem não as adota não suporta os preços baixos e deixa o setor. Após as demoradas negociações dos anos 90, que culminaram com a securitização da dívida agrícola, o agronegócio cresceu mesmo num ambiente de câmbio valorizado e de juros altos (cenário que coincide com o que se prevê para o corrente ano). Sabe-se hoje que tal crescimento foi baseado em avanços de produtividade e eficiência, que permitiram reduções de custos e viabilizaram o aumento da produção a preços decrescentes. Para examinar os aspectos distributivos, podemos considerar dois pontos de vista. Por um lado, perguntamos quem se apropriou da renda gerada: os produtores agropecuários ou os demais agentes do agronegócio? Por outro, inquirimos a quem se destinou a produção: ao consumidor interno ou ao mercado externo (via saldo comercial)? Consideramos o período de cinco anos entre 1994 a 1998, marcado por câmbio valorizado e exportações agro mais ou menos estagnadas. Quanto à produtividade da agropecuária, o IPEA mede um crescimento de 26% nesses anos. Como, nesse período, as exportações não se expandiram (conforme análises do CEPEA), uma queda de 14% foi verificada na relação de troca da agropecuária (preços recebidos/ preços pagos) entre 1994 e 1998, de acordo com a FGV. Por essa razão, as duas medidas da apropriação de renda pelo agronegócio e pela agropecuária tiveram desempenho sofrível: o PIB do agronegócio como um todo cresceu apenas 0,9% e o PIB da agropecuária cresceu somente 3,2% (dados do CEPEA). Entre 1994 e 1998, as parcelas de apropriação da renda pouco se alteraram (cerca de 28 a 29% para a agropecuária e 71 a 72% para a os demais agentes). No mesmo período, o custo da alimentação caiu cerca de 12% em termos reais (confrontado com o IGP). Uma queda da mesma magnitude ocorreu no valor das commodities no mercado internacional. Considerando, então, a distribuição da produção, notamos que as parcelas absorvidas pelo consumidor brasileiro e pelo mercado externo também não se alteraram muito (89,9 a 90,6% e 9,4 a 10,1%). Conclui-se que, nesse período, tanto a apropriação como a distribuição permaneceram relativamente estáveis.

Setor vive conjunção de fatores negativos que pode provocar o abandono forçado da agropecuária

Vejamos agora o período seguinte, também de cinco anos, de 1999 a 2003, em que os efeitos da desvalorização cambial ajudaram no crescimento de 72% das exportações agro. Essa expansão foi favorecida também pela recuperação das cotações internacionais em dólares de commodities. Quanto à produtividade agrícola, usando-se estimativas do IPEA, pode ter crescido 30%. Nesse segundo período, houve elevação real de 4,3% na relação de trocas ao produtor. Mas ao consumidor, os preços também subiram 4,3% em termos reais (IPC, FGV). Os preços internacionais das commodities experimentaram nova queda, de 27%. Nesses cinco anos, o PIB do agronegócio cresceu 20% e o PIB da agropecuária, 30% (CEPEA). Os produtores passaram a apropriar-se de mais de 31% do PIB do agronegócio. Desta feita, a expansão física resultou em substanciais ganhos de renda para os produtores e agentes do agronegócio em geral porque os preços não foram deprimidos. Os consumidores absorveram uma parcela menor (86,4%) do produto do agronegócio, enquanto o mercado externo, 13,6%. Não se deve confundir essa constatação com a percepção remanescente dos anos 70, segundo a qual as exportações redundariam em perdas ao consumidor, que se veria privado de parte seu suprimento, desviado para o exterior. Na verdade, em 2003 o consumidor absorveu uma parcela 5% inferior a 1998 de um produto 20% maior. Além disso, é essencial ter em conta que o agronegócio, ao exportar mais, beneficiou o consumidor, pois os mais de US$ 65 bilhões trazidos ao Brasil nesses cinco anos foram vitais para suportar a fase de turbulência interna e externa. O valor em reais desse montante representa três quartos do crescimento do PIB do agronegócio de 1999 a 2003. Ou seja, o grosso dos ganhos com exportações do agronegócio foi apropriado pelo próprio setor, mas a contrapartida em divisas beneficiou a sociedade como um todo. Até meados do ano de 2004, as cotações de commodities cresceram e o dólar ainda estava em patamar alto. Assim mesmo, frente ao IGP, os preços ao produtor caíram de um ano para o outro 3% e ao consumidor, 8%. Tanto o PIB da agropecuária como o do agronegócio cresceram cerca de 3%, com uma expansão de 30% nas exportações. Desde então, duas mudanças ocorreram: o comportamento dos preços externos de commodities se inverteu e o dólar se desvalorizou. A perspectiva é de uma conjunção de fatores negativos para o agronegócio. Esse é um cenário que favorece o consumidor, mas reduz o ingresso de divisas no país. O aperto sobre o agronegócio pode prejudicar seu desempenho de longo prazo e acelerar o processo de abandono forçado da agropecuária por parte dos produtores menos capitalizados.