Título: A soja na OMC e o protecionismo dos grandes
Autor: Pedro de Camargo Neto
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2005, Opinião, p. A16

A vitória do contencioso sobre o comércio de algodão na OMC Organização Mundial de Comércio trouxe a esperança de um futuro equilíbrio no comércio agrícola internacional. Representa uma conquista de extrema importância em diversas frentes. Foi uma vitória de um país em desenvolvimento contra o protecionismo dos países desenvolvidos. Um importante avanço ao conseguir contestar subsídios agrícolas no âmbito do acordo de subsídios da OMC. Conseguiu provar que subsídios declarados como não distorcivos ao comércio na verdade eram o contrário. Deixou claro que políticas de subsídios enquadrados como de apoio interno têm efeito direto nas exportações. O resultado do contencioso representou um marco na questão do comércio internacional agrícola. O resultado final do contencioso abre amplo leque de oportunidades. A primeira, e certamente a principal, será implementar a decisão do painel de arbitragem, isto é, acompanhar as alterações na política norte-americana que eliminem os efeitos negativos na produção brasileira, conforme determinou a decisão da OMC. Queira ou não o EUA, cumpre ao Brasil obrigar o respeito à decisão dos árbitros. Não será trivial, e aguardamos atentos os próximos movimentos do governo brasileiro. Mostrou também que é possível vencer, e que o caminho do litígio, sempre desagradável, árduo e demorado, é muitas vezes o único. Outras possibilidades de contenciosos têm sido ventiladas. O arroz e a soja foram dois produtos lembrados. A soja, principal produto em importância econômica para a agricultura brasileira, recebeu recente atenção. Infelizmente, a análise tem sido realizada comparando os elementos da soja com o sucesso do algodão. É preciso olhar para frente e não restringir a análise como se fosse uma simples repetição do que ocorreu com o algodão. A história não se repete. O algodão recebia subsídios maciços; a soja nem tanto, e com as altas de preços recentes, cada dia menores. As exportações de algodão norte-americano destruíram a economia de países africanos; na soja, concorrem mesmo é com agricultores brasileiros e argentinos. Comparado com o algodão, o caso da soja pode até parecer fraco. Aceitar que não existe o que contestar na soja representa aceitar que o gigante do norte pode oferecer a seus agricultores uma garantia que colocará nossos agricultores em permanente desvantagem. Plantam com a certeza que receberão sua renda, venha do mercado ou do Tesouro de Washington. Nós aqui continuaremos a plantar arriscando contra as inevitáveis flutuações do mercado. Não podemos aceitar, resignadamente, tamanha desvantagem e injustiça. A existência de instrumentos de política agrícola que subsidiam automaticamente seus agricultores quando os preços caem abaixo de determinados níveis representa uma clara ameaça aos agricultores brasileiros e à economia nacional.

O caso do algodão mostrou ao país que é possível vencer litígio, com persistência e apoio da sociedade

As regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) contemplam contestar também ameaças de dano. É dentro desta ótica que o caso da soja precisa ser analisado. Contestar ameaça de dano é certamente mais difícil do que contestar dano. Mas agora, conquistamos importante experiência e jurisprudência, com o caso do algodão. Não teremos que provar que os mesmos instrumentos de política agrícola, existentes na soja e no algodão, podem causar dano. Isto já está provado. Teremos sim que avançar na compreensão do conceito de ameaça de dano e na amplitude da nossa proteção, ou de igual importância, a falta dela. Avançar na compreensão de novos conceitos é sempre complexo. Pode hoje parecer que o caso do algodão é simples. Afinal, vencemos. Também no seu início a descrença foi muito forte. Enfrentar o coração da política agrícola norte-americana trazia receios que se mostraram totalmente infundados. Exigiu esforço de convencimento e liderança. Exigiu apoio da sociedade. Não estaremos colocando em risco a conquista do algodão. Os instrumentos da política agrícola norte-americana que causaram dano ao Brasil, no caso do algodão, poderão, dentro de possíveis condições de mercado - não necessariamente as condições atuais - também causar, na soja, dano ao Brasil. A jurisprudência obtida é clara. Distorcem o mercado quando os subsídios são utilizados. Uma evidente ameaça ao setor no Brasil. Perder o caso da soja, o que sempre pode ocorrer - embora não seja minha convicção -, será ter certeza que na rodada Doha não poderemos aceitar continuar desprotegidos do vigor dos Tesouros dos países desenvolvidos, impedindo o crescimento da agricultura brasileira. Será ter certeza que precisamos de um acordo melhor do que o obtido na rodada Uruguai. Este seria o caso da soja. Um caso pioneiro, não em subsídios agrícolas como foi o do algodão, mas na ameaça de dano. Vencer este desafio será de fundamental importância para os países em desenvolvimento. Aparenta faltar, porém ambição e ousadia ao Brasil.