Título: Choque do petróleo já afeta crescimento?
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2004, Brasil, p. A-2

Como reconheceu o Fundo Monetário Internacional (FMI) em suas projeções do crescimento da economia mundial, a disparada de preços do petróleo afetará os níveis de crescimento em 2005. Mas dados divulgados ontem pela Agência Internacional de Energia (AIE), baseada em Paris, mostram que o processo pode estar começando. Com o barril atingindo inacreditáveis US$ 54, ganham impulso- e principalmente sentido econômico- projetos de substituição do petróleo por outras fontes de energia renovável. As economias de maior taxa de crescimento e menor eficiência no uso de energia, como a China, são mais sensíveis a mudanças de preços. A AIE reduziu a previsão de crescimento da demanda de petróleo no ano que vem em 320 mil barris por dia, para 1,45 milhão. O consumo mundial, prevê a agência, chegará a 83,85 milhões de barris diários. Este ano, o crescimento de demanda foi de 2,71 milhões de barris diários. Ontem, o barril de petróleo atingiu inimagináveis US$ 54, desta vez por conta de greves na Noruega e Nigéria. Há indicações, segundo a AIE, que o crescimento chinês está sendo afetado pela alta de preços do petróleo. A estimativa da agência é que a demanda por petróleo na China tenha crescido a uma taxa de apenas 6% anuais no mês de agosto, ante 12% em julho e mais de 25% anualizados no segundo trimestre. A agência projeta um aumento de demanda de apenas 360 mil barris diários pela China no ano que vem, abaixo dos 800 mil deste ano. É claro que a economia como um todo não apresenta a mesma redução de demanda de petróleo, já que medidas de uso mais racional de energia podem ter acentuado a redução da demanda, além da entrada em operação de projetos de geração de energia hidroelétricos ou abastecidos a carvão. A China é o segundo maior consumidor de petróleo do mundo, depois dos EUA. Com a alta de preços, ganham força fontes alternativas de energia, como o etanol largamente usado na frota automobilística brasileira, ou algumas novas iniciativas que procuram fazer plástico a partir de produtos como milho. Apesar das barreiras tarifárias nos Estados Unidos, a exportação de etanol pode ser um grande mercado para o Brasil ao longo do ano que vem. Uma joint-venture entre a Cargill e a Dow Química para produzir plásticos a partir de milho está registrando crescimento de 60% nas vendas de resinas com base no ácido lático obtido a partir da fermentação de milho. Segundo uma reportagem do "Wall Street Journal", há iniciativas para uso de matéria prima agrícola pela DuPont, em associação com a empresa britânica Tate & Lyle, para fabricação de um tecido sintético que mistura petróleo e milho como matéria prima. A multinacional alemã Basf associou-se à empresa Metabolix, americana, para produzir fibras que poderão ser usadas em tecidos.

Ontem, barril de petróleo bateu marca de US$ 54

Se houver sucesso nestas iniciativas e produção em larga escala pela indústria de plásticos, pode haver no futuro um repasse menor das altas de preços de petróleo para a inflação, tanto em países desenvolvidos como no Brasil. Mas a situação a curto prazo não deve mudar muito, já que a substituição por fontes de energia renovável demanda tempo e investimentos pesados na mudança, por exemplo, de linhas de produção. E os preços do petróleo disparando devem ter um forte efeito sobre as economias desenvolvidas e emergentes. Os investidores ainda não descartaram a possibilidade de um cenário semelhante à "estagflação" da década de 70, após a crise do petróleo. A "estagflação" é uma combinação de altas taxas de inflação e baixo crescimento econômico. Os economistas afirmam que a situação hoje é diferente, pela menor dependência das economias em relação ao petróleo, mas em termos de magnitude a alta de preços já se aproxima da ocorrida naquela época. Inicialmente, esperava-se que a alta fosse transitória. Mas as previsões do FMI já incorporam uma parcela da alta como permanente. A média para o ano que vem, entretanto, ainda é de US$ 27 o barril- o que poderá reduzir ainda mais as previsões de crescimento mundial quando o Fundo revisar as projeções, no ano que vem. Enquanto não se sabe exatamente a reação das economias a um possível novo "choque", a palavra de ordem nos mercados é a cautela, até que fiquem mais claros alguns fatores que terão grande influência no mercado- extensão da alta das taxas de juros nos Estados Unidos, resultado das eleições americanas, magnitude da desvalorização do dólar, tipo de desaceleração que será sofrida pela economia chinesa. A cautela não está presente apenas em mercados financeiros, mas também no setor produtivo. As maiores companhias americanas estão acumulando cada vez mais recursos em dinheiro vivo nos seus balanços. Apesar de resultados melhores no terceiro trimestre, a maior parte das empresas produtivas não sente confiança no crescimento dos próximos meses para usar o dinheiro para investimentos e a taxa de investimento sobre o PIB dos EUA caiu expressivamente no último trimestre. A acumulação de dinheiro também está ocorrendo em fundos de investimento, que preferem esperar um pouco mais para decidir entre opções de dívida, commodities ou ações.