Título: Negociação com os EUA deve ter avanços apenas em 2006
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F18

Passada a data inicial para o ingresso do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e depois de um ano do limite estipulado para a execução do projeto que previa a correção de falhas do Mercosul, o governo tem poucas novidades a apresentar em 2005 nesses dois campos da política comercial. A paralisação das negociações da Alca e as dificuldades com os sócios do Mercosul fazem acreditar que qualquer avanço significativo nas duas negociações ficará para 2006, ou, na melhor das hipóteses, para o fim do ano. No caso da Alca, assim como nas negociações entre Mercosul e União Européia, é consenso no governo brasileiro que as conversas não têm como avançar no escalão técnico, e que será necessário um impulso "político", a ser realizado em reunião dos ministros para resolver as divergências entre os países. Na Alca, um encontro entre os co-presidentes das negociações, o americano Peter Allgeier e o brasileiro Adhemar Bahadian, está marcada para maio. Há expectativa, no entanto, de que os impasses possam ser resolvidos a partir de um encontro entre o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o recém-nomeado (e não confirmado pelo senado americano até a última semana de abril) Representante Comercial dos Estados Unidos, Robert Portman. O maior entrave à continuação das negociações é a exigência dos EUA de inclusão, no acordo básico da Alca, de provisões para garantir o cumprimento das regras de proteção à propriedade intelectual. Esse item - incluído em outros acordos comerciais americanos - significaria na prática permissão para criação de barreiras comerciais contra países considerados ineficientes na proteção a patentes, marcas e outros direitos de propriedade intelectual. Há vários outros pontos de conflito, como a proposta americana de criação de uma categoria de produtos que poderiam ser excluídos do livre comércio na futura Alca. O Brasil teme que fiquem nessa lista exatamente os produtos em que o país é mais competitivo, como aço, suco de laranja e açúcar. As dificuldades para aproximação das posições na Alca fazem com que os diplomatas acreditem que as negociações sejam retomadas, se o forem, só no segundo semestre. Analistas como o economista Gary Hufbauer, do Institute for International Economics, crêem, porém, que haverá, até o fim do ano, forte pressão do governo George Bush para retomada das conversas na Alca, considerada fundamental na estratégia americana para o continente. Não são muito melhores as perspectivas para o Mercosul, que desde 2003 recebeu forte apoio retórico, ganhou novos membros associados, como os países andinos, mas foi incapaz de ampliar o programa do governo para aprofundar a integração dos quatro países sócios. À exceção de algumas medias de desburocratização nas alfândegas, o Mercosul foi incapaz de cumprir as metas relevantes fixadas para 2004. O governo da Argentina, em 2004, acrescentou prioridades às propostas não cumpridas de remoção de barreiras entre os sócios, consolidação de metas macroeconômicas comuns e regimes para facilitar a distribuição das etapas de produção entre os quatro países. Nas próximas reuniões, os países terão de lidar com essas demandas, que incluem propostas de salvaguarda (barreiras automáticas) no comércio do Mercosul e regras para dificultar a transferência de investimentos privados de um país a outro. O mais provável será a criação das salvaguardas, mais limitadas do que deseja a Argentina, mas mais formais do que gostaria o Brasil. O Itamaraty deve, nos próximos meses, lançar nova investida diplomática para evitar que o Mercosul só institucionalize o retrocesso.