Título: O descompasso entre o governo e os parlamentares no Congresso
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F25

Há um claro descompasso entre a agenda que o governo afirma defender para o Congresso até o primeiro semestre de 2006 e o cronograma de debates que a Câmara e o Senado planejam para os próximos 14 meses. "O governo não quer impor sua agenda, mas também não quer que a agenda seja imposta. Queremos negociar", argumenta o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, responsável por manter saudáveis as relações entre Executivo e Legislativo. O fato é que os projetos considerados prioritários para a agenda econômica já foram aprovados nos dois primeiros anos de governo: Lei de Falências, Parcerias Público-Privadas, as primeiras fases das reformas da Previdência e tributária, o marco regulatório do setor elétrico, e a lei nacional de biossegurança. Agora, nem o Executivo e nem os parlamentares enxergam algo tão prioritário na pauta, e a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva provoca reações políticas de aliados e da oposição que têm como conseqüência, muitas vezes, a estagnação nos plenários. "O governo vai tocar a economia sem se preocupar com nada que for muito novo e polêmico. Tudo que gere marola em ano pré-eleitoral não vai merecer o interesse do Executivo. Querem mais é navegar em águas plácidas no Congresso", analisa o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN). O governo enfrentou um sério período de turbulência no Congresso nos últimos seis meses, com a desarticulação explícita de sua base aliada na Câmara, que culminou na eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência. "Estamos num período de afirmação das novas lideranças. Tivemos que dar um tempo para a navegação de longo curso. Agora, pensamos na navegação de cabotagem", compara o ministro Aldo Rebelo. A previsão do Executivo é que em maio o ritmo de votações no Congresso seja retomado na Câmara. Alguns fatores contribuiriam para o mar de almirante tão almejado pelo Palácio do Planalto: na última semana de abril começaram a ser liberados os restos a pagar do orçamento de 2004 e as emendas parlamentares de 2005; o contingenciamento no Ministério dos Transportes, que deixou o PL em pé de guerra com o Planalto, foi revisto; e o PTB recebeu quase todos os cargos que reivindicava. Os partidos de esquerda da coalizão - PT, PC do B, PSB e PPS - o governo tenta convencer com o discurso de que só a reeleição de Lula pode intensificar os investimentos em programas sociais e implementar, a partir de 2007, um extenso programa de distribuição de renda e emprego. Os efeitos colaterais que o debate sobre a sucessão de 2006 geram no Congresso são sentidos especialmente no PMDB. "O que conta é o destino que o PMDB terá nos Estados. O partido tem uma força imensa em vários deles. Querem saber o que o PT vai fazer lá", define um interlocutor do presidente Lula. A aproximação do governo com a ala oposicionista do PMDB, por intermédio do presidente da legenda, deputado Michel Temer, já está provocando instabilidade política no Senado. O presidente da Casa, Renan Calheiros, endureceu o tom contra o governo em seus últimos discursos. A causa de tanta irritação, segundo integrantes do Executivo e parlamentares, é a explícita atuação do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, para enfraquecer o pemedebista Calheiros. Em contrapartida, Renan Calheiros sela cada vez mais acordos com PFL e PSDB à revelia do governo. Na véspera do feriado de 21 de abril, uma semana praticamente morta no Senado, os oposicionistas fecharam com o presidente da Casa um acordo para votar cerca de 70 itens da pauta. A intenção era mostrar para a opinião pública a alta produtividade do Senado, o que dá fôlego à imagem de Calheiros, apagada após a eleição de Severino Cavalcanti. Não por acaso o Senado e a Câmara tornaram-se combatentes das medidas provisórias. Os parlamentares sabem que é por meio das MPs que o Executivo consegue controlar a pauta do Legislativo. Renan Calheiros e Severino Cavalcanti trouxeram o tema à ordem do dia. Foi criada até uma comissão mista especial para estudar uma mudança do rito das MPs, mas o governo não considera a mudança do rito essencial e nem crê ser essa a causa real da paralisia do Congresso. "Se não votam nada lá, não tem nada a ver com as MPs", garante um aliado de Lula. "Temos que mudar o rito institucional de funcionamento do Parlamento alterando a tramitação das MPs. Isso será fundamental para destensionar as relações no Senado", diagnostica o líder do Governo, senador Aloízio Mercadante (PT-SP). O petista também defende outra prioridade apontada pelo presidente do Senado: a revisão das regras de elaboração e votação do Orçamento Geral da União. No Executivo, não há nenhuma simpatia para a tese do orçamento impositivo. "Como é que os aliados vão aceitar ter o mesmo volume de emendas liberadas que os parlamentares da oposição?", indaga um colaborador de Lula. Esses dois temas - MPs e orçamento - explicitam quão são divergentes as agendas dos dois Poderes. Sob o ponto de vista oficial, o Executivo considera que ainda há, sim, projetos que precisam ser concluídos. O fundamental seria a segunda fase da reforma tributária, com a unificação das alíquotas do ICMS. As dificuldades de acordo são inúmeras, mas a orientação no Palácio do Planalto é não permitir em hipótese alguma a votação fatiada. "A unificação do ICMS dá à União instrumentos de combate à sonegação", explica o ministro da Coordenação Política.