Título: Oferta pública pode voltar a surpreender
Autor: Vanessa Adachi
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F48

Taxas de juros elevadas não combinam com bolsa de valores, segundo preconizam os manuais de economia. Apesar disso, o mercado acionário brasileiro parece desafiar essa regra e deverá repetir em 2005 a surpreendente safra de ofertas públicas de ações ocorridas no ano passado. Mesmo após sucessivas elevações da taxa básica de juros (Selic) pelo Copom nos últimos meses, as empresas ainda demonstram disposição para ir à bolsa e, de outro lado, os investidores também parecem conservar o apetite. O ano de 2004 foi um marco: foram realizadas 13 operações. Dessas, sete marcaram a estréia de novas empresas no pregão. As demais representaram retornos de companhias que já haviam acessado o mercado no passado. Ao todo, as companhias e os seus controladores captaram aproximadamente US$ 3 bilhões de investidores nacionais e estrangeiros. "Neste ano, há boas chances de se ultrapassar esses US$ 3 bilhões", estima Ricardo Stern, diretor-executivo do Unibanco. "Hoje não se fala mais em uma janela de oportunidade". Até o fim de abril, já foram contabilizadas seis ofertas de ações neste ano, que totalizaram praticamente US$ 1 bilhão. Houve a estréia do site de vendas pela internet Submarino e da Renar Maçãs. Além disso, ocorreram vendas de ações do Unibanco, América Latina Logística (ALL), Ultrapar e Gol. "Vemos 2005 como um ano de consolidação do movimento iniciado no ano passado", diz Rodolfo Riechert, responsável pela área de mercado de capitais do Banco Pactual. Atualmente, outras quatro ofertas já estão registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). São elas Random, Localiza, TAM e AES Tietê. Ninguém confirma oficialmente, mas é sabido no mercado financeiro que pelo menos outras três empresas já deram a partida para ir à bolsa pela primeira vez: a sucroalcooleira Cosan, a holding de energia EDP e a concessionária de rodovias OHL. Muito embora os fundamentos econômicos do país estejam em melhor forma, pelo menos três outros aspectos macroeconômicos neste ano não estão tão favoráveis ao mercado acionário como em 2004: A taxa de juro está bem mais elevada, o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer menos e o cenário externo não é tão estável. Apesar disso tudo, a avaliação de quem entende do assunto é positiva. "Não pisamos no freio. Estamos indo em frente com as ofertas programadas e dizendo aos clientes que é possível fazê-las", afirma Alexandre Bettamio, diretor do banco de investimentos do UBS no Brasil. O banco será o líder da oferta da TAM e também da EDP. O executivo acredita que dois fatores impulsionam novas ofertas de ações. "As empresas brasileiras ainda estão baratas e, além disso, as companhias têm chegado ao mercado com bom padrão de governança corporativa, o que atrai os investidores". Pelas contas da equipe do UBS, a bolsa brasileira oferece um grande desconto quando comparada às de outros países. Enquanto os preços das companhias do país equivalem a quatro vezes a geração de caixa estimada para 2005, em média, nos Estados Unidos o múltiplo é de 8,4 vezes e na Europa, 6,7 vezes. Na América Latina, o múltiplo da bolsa mexicana é de 5,8 vezes a geração de caixa, enquanto no Chile está entre sete e oito vezes. "A bolsa brasileira está barata e os lucros das companhias devem ter taxas de crescimento expressivas neste ano", concorda Riechert, do Pactual. Os executivos dos bancos enxergam transformações profundas introduzidas no mercado e nas empresas a partir da onda de ofertas de ações iniciada no ano passado. "Houve uma clara mudança de paradigma em relação à importância da governança corporativa. Hoje não basta a empresa ter uma boa gestão. As novas companhias ingressam no Novo Mercado da Bovespa e o mercado paga um prêmio por isso", diz o executivo. Além disso, destaca Riechert, dentro das empresas está sendo criada uma cultura pró-mercado. "A bolsa de valores está deixando de ser vista como um mercado especulativo pelas próprias empresas", afirma, completando que é grande o número de empresas fechadas que têm consultado o banco com a idéia de abrir o capital. Do ponto de vista dos controladores, na hora de sair total ou parcialmente do capital de uma empresa, as ofertas pulverizadas em bolsa têm surgido como uma opção à venda em bloco para um novo acionista ou fundo de private equity. Dos investidores é esperado um maior rigor na hora de decidir pela compra das ações nas próximas operações. Embora bem-sucedida em sua maior parte, a leva de ofertas ocorridas nos últimos 12 meses já deixou algumas "cicatrizes". É o caso de Grendene, Submarino e Renar Maçãs, cuja performance dos papéis tem desagradado os investidores. "O investidor estará mais seletivo", afirma Bettamio.