Título: G-20 apostou que europeus não permitiriam fiasco
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2005, Especial, p. A16

O G-20, grupo coordenado pelo Brasil, China e Índia, apostou que a União Européia não permitiria um fiasco justamente agora na Rodada Doha. "Aí eles cederam", comemorou um alto negociador. Já pela manhã, depois de dar o primeiro sinal de flexibilidade, o comissário europeu de comércio, Peter Mandelson, reconheceu que todo mundo estava jogando na beira do abismo. À noite, fechado o entendimento, exportadores e importadores diziam oficialmente que todo mundo fez concessões. A quarta-feira que desbloqueou a negociação agrícola e provavelmente o resto da Rodada Doha serviu para revelar alguns aspectos dos negociadores. O novo representante comercial americano, Robert Portman, deixou boa impressão. Como político, usa uma linguagem mais clara para definir o jargão complicado do comércio. A conversão de tarifas servirá para "comparar uma maçã com uma maçã e não com uma laranja". Já os europeus deixaram outro tipo de impressão. Mandelson e a comissária agrícola Marianne Boel "bateram cabeça", não se entendiam entre si às vezes e muitas vezes com mais ninguém. Mandelson irrita alguns por uma suposta condescendência bem britânica. Marianne Boel chamou atenção por uma certa fraqueza técnica. Mas o comissário do comércio foi também uma estrela à parte. Ao chegar na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pela manhã, foi questionado por um jornalista brasileiro residente em Paris porque ele não falava com jornalistas brasileiros e porque às vezes era rude. Horas depois, ao chegar para uma entrevista coletiva, Mandelson perguntou logo onde estavam os repórteres do Brasil. "Só estou fazendo isso para vocês, que me chamaram de horrível", disse. Já o ministro francês de comércio, François Loos, fez seu discurso na OCDE e colocou-se estrategicamente à disposição dos jornalistas. E acabou revelando mais coisas do que provavelmente gostaria. Primeiro, disse que o problema da conversão de tarifas continuava até aquele momento porque a Comissão Européia "tinha feito um erro de cálculo" na negociação em Genebra. "Isso não tem nada a ver com resistência francesa", disse. Depois, indagado pelo Valor, Loos disse sem hesitar que a França defende prazo de dez anos para a eliminação de subsídios à exportação agrícola. Lembrado que outro ex-ministro francês, Hervé Gaymard, defendia 15 anos, Loos pareceu ter caído na real: "Ah, é? Puxa, então coloca aí 15 anos também." Negociadores acham que Loos revelou inadvertidamente a futura posição européia. E na OMC é como em mercado turco: quem pede dez anos é porque aceita menos. Quem partiu satisfeito de Paris foi o diretor-geral da OMC, Supachai Panitchpakdi: saiu com "senso de direção" para continuar a Rodada Doha. E não poupou elogios a Celso Amorim, Portman e Mandelson. "Eles foram importantíssimos", disse.(AM)