Título: O preço de reserva e a ação do governo nos leilões de energia
Autor: Rodrigo Fonseca
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2005, EU &, p. D2

O mercado financeiro ficou muito confuso com o último leilão de energia elétrica, onde o preço de 2008 fechou em R$ 83,5 por megawatt/hora (MWh) e o de 2009 chegou a bater R$ 63,3/MWh antes de ser excluído. Para entender o que realmente aconteceu é necessário conhecer a sistemática dos leilões e em particular um mecanismo denominado "preço de reserva". Esse é o preço máximo pré-definido pelo Ministério de Minas e Energia para o leilão. Pela sistemática, o preço do leilão deve baixar até que a oferta seja igual ou inferior à demanda. Entretanto, se o valor ficar acima do preço de reserva, ele não é homologado como resultado do leilão. Nesse caso, o sistema reduz a quantidade de demanda no leilão até que novo equilíbrio seja atingido com preço inferior ao preço de reserva, aí sim terminando o leilão. No caso do último leilão, é muito provável que os preços que igualaram oferta com demanda tenham sido de R$ 99/MWh para 2008 e R$ 102,1/MWh para 2009. Isso porque, pelas próprias declarações da ministra Dilma Roussef, cerca de 50% do volume de oferta foi retirado do leilão pelas geradoras já na primeira rodada! O leilão apenas não fechou nesses níveis porque o resultado seria acima dos preços de reserva determinados pelo Ministério. O que se viu daí por diante foi uma contínua redução nas quantidades demandadas para o produto de 2009 visando reduzir o preço não só de 2009, como também de 2008. Após algumas rodadas, apenas um volume residual de oferta e demanda existia para 2009, portanto a queda para R$ 63,3/MWh foi praticamente irrelevante. No final do leilão, os preços de reserva estiveram tão abaixo dos preços de mercado que só foi possível contratar 42% da energia demandada pelas distribuidoras para 2008-2015 e nada da energia para 2009-2016. Uma análise do leilão de dezembro do ano passado deixa claro que o preço de reserva foi fator preponderante para os resultados não só do leilão de abril deste ano, mas também do anterior. Ele foi criado originalmente para evitar o exercício de poder de mercado pelas geradoras, através de acordos para manter preços em níveis abusivos. É provável, entretanto, que o Ministério das Minas e Energia tenha utilizado o "preço de reserva" não para coibir abusos, mas sim para tentar reduzir efetivamente os preços dos leilões, em busca da modicidade tarifária. Aparentemente, o preço máximo foi acionado a R$ 66,4/MWh (2005), R$ 77/MWh (2006) e R$ 84,30/MWh (2008). Considerando-se que o custo de expansão situa-se entre R$ 110-R$ 130/MWh, torna-se subjetivo e questionável a utilização de preços na faixa de R$ 65-R$ 85/MWh como identificadores de "abuso de poder de mercado" por parte das geradoras. Além disso, ao reduzir a quantidade adquirida, o "preço de reserva" aumenta a exposição das distribuidoras ao mercado de curto prazo, gerando possíveis perdas no repasse dessa energia e volatilidade de preços ao consumidor. A determinação do "preço de reserva" pode ter implicações jurídicas. As distribuidoras podem questionar sua exposição ao mercado à vista, ou "spot", pois essa não decorre de suas previsões de demanda, mas sim da sub-contratação dos leilões. Se novos leilões forem realizados com preços de reserva mais altos para tornar viável sua execução, os geradores que participaram de leilão anterior seguindo preços de reserva inferiores podem se sentir prejudicados. O próprio uso do preço de reserva com objetivo distinto do original pode ser contestado, pois isso levou os vendedores a uma interpretação mais negativa dos resultados parciais do leilão, ao julgarem menos provável naquela situação uma redução de demanda pelo sistema. Por todas as razões acima, é necessário que o preço de reserva seja determinado de maneira muito fundamentada, equilibrada e transparente. Quando um leilão de privatização falha por ausência de interessados ao preço mínimo, há um estudo de avaliação realizado por consultores especializados que justifica esse preço mínimo. Quando um leilão de energia falha, seria interessante dispor de embasamento semelhante para a formação de seu preço máximo, mesmo que divulgado a posteriori. Na esfera da Aneel, revisões tarifárias das menores concessões de distribuição do país são fundamentadas por extensa documentação. Nos leilões de energia, que já movimentaram mais de R$ 80 bilhões, a ausência de transparência na definição do preço de reserva não apenas destoa, mas choca.