Título: O próximo desafio de Tony Blair
Autor: Wolfgang Munchau
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2005, Opinião, p. A9

Vencer as eleições foi a parte fácil. A próxima luta de Tony Blair, o referendo para ratificar o tratado constitucional europeu, será muito mais árdua. As pesquisas de opinião prognosticaram persistentemente um voto "não". Portanto, esta será a primeira disputa eleitoral na qual o premiê britânico não começará a partir da posição da ponta. A batalha pelo Reino Unido na Europa promete se transformar no tema definidor da política britânica durante o próximo ano. Poderá, é claro, nem haver um referendo. Os franceses poderão rejeitar a constituição em 29 de maio. Assim como os holandeses, três dias depois, ou os poloneses, quando depositarem seus votos mais tarde no outono. Seria extremamente imprudente, porém, se Blair especulasse que os demais poderiam afundar o tratado antes. Mesmo que os franceses votem "não", os líderes da União Européia estão determinados a deixar que o processo de ratificação prossiga até o fim. A melhor linha de ação para Blair seria, portanto, se preparar para um referendo. Quando retornei ao Reino Unido em 2003, depois de permanecer cinco anos na Alemanha, fiquei surpreso ao perceber como o país ficou "eurofóbico". Antes, os mais declarados eurocéticos eram conservadores das fileiras de trás da Câmara dos Comuns e uns poucos editorialistas de jornal alvoroçados. Agora eles estão por toda parte. Há alguns países na Europa nos quais as pessoas nos dizem - enquanto tentam se mostrar impassíveis - que Bruxelas consiste de burocratas corruptos que conspiram para destruir a democracia. Até a comunidade de negócios se tornou eurocética. É muito difícil travar a batalha pela Europa sem o apoio da comunidade de negócios. Esta será uma luta monumental. Para vencê-la, Blair precisará reverter uma tendência ao euroceticismo que já dura mais de uma década e que provocou um impacto profundo e duradouro. A recompensa é tentadora. Blair terá realizado um de seus objetivos políticos mais importantes, o de colocar o Reino Unido no coração da Europa, exatamente como havia prometido no começo do seu primeiro mandato. Se o Reino Unido votar "não", poderá ser o começo do fim para o envolvimento do Reino Unido na UE. Para ganhar esse referendo, Blair precisará fazer algo novo, que poucos políticos britânicos fizeram antes. Ou seja, apresentar argumentos positivos em prol da UE, explicar porque o Reino Unido precisa de uma UE eficaz para ajudar a resolver os desafios políticos e econômicos do século XXI - seja as guerras, terrorismo, choques econômicos, imigração, redução do efeito estufa, ou outros, sobre os quase ainda não sabemos. Se essa linha de raciocínio for aceita, então certamente fará sentido aprovar uma constituição cuja meta é tornar uma UE ampliada mais eficaz. Se não for aceita, porém, haverá pouco sentido em permanecer como membro deste clube. Os riscos são altos. Aprendemos com as campanhas de referendo na Espanha, França e Holanda que as melhores estratégias podem ser as baseadas em informação direta. Na França, a Constituição conseguiu até chegar às listas de livros mais vendidos em não-ficção. Quanto mais o público francês soubesse sobre a Constituição, maior seria a probabilidade de votar a favor.

Humor eurocético britânico favorece o "não" à UE e o voto pode se transformar numa manifestação plebiscitária contra o primeiro-ministro

Não estou certo se o campo do "sim" no Reino Unido será capaz de promover ou se está disposto a promover uma campanha com tamanha pretensão intelectual. Mas mesmo que estejam, ainda assim isso pode não ser suficiente. A campanha pelo "não" tem a vantagem de refletir o humor eurocético nacional. Como aconteceu na França, ela também poderá se transformar em uma batalha política interna: vote "não" e livre-se de Blair. Levando-se em consideração que a maioria dos comentaristas políticos espera que Blair renuncie se perder, isso poderá se transformar em uma profecia que se auto-realiza. Outro fator que não ajuda Blair são as persistentes divisões internas dentro da UE - sobre política econômica, relações transatlânticas e o orçamento da união. A última coisa de que ele necessita é uma briga com Jacques Chirac, o presidente francês, em torno das compensações recebidas pelo Reino Unido, que saem dos cofres da UE direto para o orçamento do país. Chirac já havia declarado que as compensações não poderiam mais ser defendidas. Isso tudo posto, não se pode dar por certo o resultado de um referendo. Mas que não restem dúvidas sobre a tarefa adiante. A derrota do euroceticismo exigirá tempo, determinação e sorte. Blair pode ser um homem de sorte. É também determinado, mas em menor medida, quando o assunto é a Europa. E não resta muito tempo.