Título: Mercado de câmbio ganha transparência
Autor: Gustavo Loyola
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2005, Opinião, p. A11

O próximo início de atividades do pregão de moeda estrangeira na BM&F será um marco importante para o mercado de câmbio brasileiro. Finalmente, o mercado cambial ganha uma plataforma de negociação eficiente e transparente, fato que poderá trazer ganhos expressivos não apenas para os participantes do mercado, mas principalmente para a economia brasileira como um todo. A necessidade da existência de um mercado eficiente de câmbio é relativamente recente no Brasil. Até o início dos anos 1990, o mercado de câmbio era uma ficção em nosso país, já que as transações com divisas eram feitas dentro de margens muito estreitas fixadas pelo Banco Central. A partir de março de 1990, com a extinção do regime de repasses e coberturas, o mercado interbancário de câmbio começa a fazer jus ao nome, haja vista a maior liberdade que conferida às instituições financeiras para transacionarem entre si moeda estrangeira. No entanto, enquanto prevaleceu o regime de câmbio fixo, o papel do mercado de câmbio na formação do preço da moeda estrangeira foi limitado. Esse preço era estabelecido pela atuação do Banco Central, obedecendo ou não a regras de intervenção explícitas. Nesse contexto, considerações sobre a microestrutura do mercado cambial e particularmente sobre sua eficiência informacional eram de pouca importância. Com a adoção do regime de taxas flutuantes de câmbio, a partir de janeiro de 1999, a coisa muda de figura. Embora o BC continuasse a ser um ator relevante no mercado de câmbio, o papel de formação de preços transferiu-se efetivamente para o mercado, passando a resultar da interação entre ofertantes e demandantes de moeda estrangeira. Em decorrência disso, dois tipos de problemas microeconômicos vieram à tona nesse mercado. O primeiro referia-se à incompatibilidade entre um regime que pretendia ter o mercado como definidor de preços e a pesada regulamentação governamental que restringia, principalmente do lado da demanda, a participação dos agentes econômicos nas operações cambiais. O segundo dizia respeito à ausência de infra-estrutura adequada no mercado com objetivo de assegurar transparência e segurança nas operações. Os problemas do primeiro tipo ainda não encontraram solução. Embora tenha havido um recente e importante avanço na regulamentação cambial, o mercado brasileiro ainda continua subjugado nas algemas da proibição da compensação privada de câmbio e da exigência de cobertura cambial nas exportações. Como a liberalização da conta de capitais deverá seguir um seqüenciamento cauteloso que leve em conta as condições macroeconômicas, é provável que se observe nos próximos anos um processo gradual de revogação das normas restritivas que vigoram desde os anos 1930. Com relação aos problemas do segundo tipo, grandes avanços ocorreram nos últimos anos. Sem dúvida, o mais importante desses avanços foi a criação, em 2002 da "clearing" de câmbio pela BM&F, no bojo do novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Esse mecanismo, implementado em obediência aos rígidos padrões internacionais, trouxe segurança às operações, eliminando os riscos operacionais e de crédito existentes na situação anterior e colocando o Brasil em situação superior à de muitas economias desenvolvidas.

Adoção de taxas flutuantes de câmbio exigiu do país uma infra-estrutura adequada no mercado que garantisse segurança às operações

Faltava, contudo, a criação de um lócus de negociação de moeda estrangeira que estivesse à altura do sistema de liquidação representado pela "clearing" de câmbio. Essa necessidade será agora satisfeita com a negociação de moeda estrangeira no pregão da BM&F. Um dos mais relevantes e imediatos ganhos do início da negociação de dólares em pregão, substituindo a situação atual de mercado de balcão, será a redução das assimetrias informacionais que podem estar distorcendo a formação de preços nesse mercado. Outro importante benefício, relacionado ao aumento da confiabilidade das operações, será a eliminação da defasagem temporal entre a contratação da transação e seus registros no BC e na "clearing" de câmbio. Vale ressaltar que, até aqui, a formação de preços no mercado cambial esteve potencialmente sujeita a distorções indesejáveis. Sob o prisma estrutural, ressalta-se o fato de os mercados primário e interbancário de câmbio serem relativamente concentrados no Brasil, o que é uma característica que normalmente facilita o surgimento desse tipo de problema. Ademais, pelos padrões internacionais, os volumes negociados no mercado interbancário revelam-se acanhados quando comparados com os volumes das transações internacionais do país. No médio prazo, outros benefícios resultarão da negociação de divisas em um mercado de pregão organizado. É possível, por exemplo, que, com a continuidade da liberalização do mercado de câmbio, os grandes "players" do mercado primário possam também ter a faculdade de negociar divisas diretamente no pregão, ainda que as liquidações ocorram necessariamente através das instituições financeiras. Isso poderá redundar na redução adicional dos custos de transação incorridos nesse mercado. Por outro lado, a simultaneidade entre o fechamento e o registro da transação no pregão de câmbio da BM&F permitirá um estudo mais aprofundado da dinâmica do mercado cambial, principalmente no que diz respeito à sua eficiência informacional e ao papel do BC como sinalizador de preços. As interações entre o mercado "spot" e os mercados de derivativos de câmbio também poderão ser mais bem estudadas com o pleno funcionamento do pregão de câmbio pronto. Há, finalmente, um outro aspecto que deve ser destacado a propósito desse novo avanço no mercado cambial. Trata-se de registrar que as instituições do mercado financeiro brasileiro são capazes, por meio de instituições dinâmicas como a BM&F, de prover a infra-estrutura adequada ao mercado, inclusive no campo de autoregulação. Isso significa que o Estado deve ficar confinado ao papel de prover a regulação prudencial básica e de exercer a supervisão das instituições financeiras.