Título: Só reformas animam a construção civil
Autor: Raquel Salgado e Paulo Henrique de Sousa
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2005, Brasil, p. A5

Ajudados pelo crédito, os setores da construção civil ligados à reforma e à pequena construção têm mostrado desempenho positivo nesse começo de ano. Grandes varejistas de materiais, como Casa Show e Dicico, registram ganho de 8% a 18% no faturamento real em relação aos primeiros quatro meses do ano passado. As vendas de cimento, por outro lado, vêm fracas. No primeiro trimestre, elas cresceram apenas 1,72% sobre igual período do ano passado. Esse resultado representa um desempenho 6,5% inferior ao de 2002. O consumo de cimento - com 70% das vendas direcionadas para o segmento industrial ou de grandes obras e apenas 30% para o chamado consumidor individual - reflete a paralisação em obras de infra-estrutura e a ausência de grandes projetos privados no setor produtivo, segundo José Otávio Carvalho, secretário executivo do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic). "Não estamos vendo o reaquecimento que se esperava para esse ano", afirma Carvalho. O varejo voltado à construção civil, por sua vez, tem obtido números animadores, mas as vendas estão ancoradas no consumo "formiga". Na rede Dicico, "as vendas continuam alicerçadas em produtos de menor valor agregado, para reformas", explica Carlos Roberto Corazzin, diretor de marketing. A empresa teve um incremento de 18% na faturamento nas mesmas lojas no primeiro quadrimestre do ano. Só em abril, elas cresceram 37% ante o mesmo mês do ano passado. Para o ano, a empresa prevê repetir o desempenho de 2004, quando o faturamento subiu 35%. Na Casa Show, rede de lojas de material de construção do Rio de Janeiro, as vendas cresceram 11% contra o mesmo mês de 2004. No quadrimestre, o avanço foi de 8,5%. Guilherme Rodrigues, diretor comercial, afirma que as vendas ainda estão restritas ao consumo para pequenas reformas. A empresa realizou em abril o maior investimento em marketing desde sua inauguração, há vinte anos. Rodrigues acredita que abril foi o mês da virada e que as vendas podem crescer até 13,5% no conjunto do ano. Na Quartzolit Weber, fabricante de argamassa, as vendas cresceram 7% no primeiro quadrimestre, sendo que em abril, sobre igual mês do ano passado, o avanço foi de 10%. A expectativa para o ano é bastante positiva, afirma Carlos Orlando, diretor. Tanto o faturamento quanto o volume de vendas devem ser 15% maiores. Em 2004, o volume cresceu 10%, enquanto o faturamento subiu 20%. O ramo dos revestimentos também tem o que comemorar. O volume de vendas da Cecrisa destinadas ao mercado interno ficou estável no quadrimestre, mas a receita líquida ficou 12% maior, sinal de ganho de margem de lucro. Rogério Sampaio, presidente da empresa diz que as perspectivas para o segundo semestre são melhores, uma vez que, historicamente, esse período do ano é 12% mais ativo do que o primeiro. Com juros altos e câmbio apreciado, o desempenho da construção civil em 2005 pode estar ameaçado, alerta João Cláudio Robusti, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon). O empresário sustenta que dos R$ 4,2 bilhões do governo federal destinados para a restauração e reparação da malha rodoviária, apenas R$ 100 milhões foram liberados neste primeiro trimestre. "O governo segura o pagamento às empreiteiras, que acabam recuando", diz. Na avaliação de Robusti, a habitação ainda não deslanchou. "Dos R$ 12 bilhões da caderneta de poupança destinados ao setor, foram gastos só R$ 910 milhões". Para o presidente do Sinduscon, o desembolso da poupança para aquisição ou financiamento de imóveis deve chegar a apenas R$ 6 bilhões neste ano. Dessa forma, ele já reduziu sua expectativa de crescimento de 4,6% para 4% em 2005. Os dados do Banco Central, entretanto, mostram crescimento forte no financiamento imobiliário para construção. Entre janeiro e março de 2005, esse indicador avançou 102,3%, chegando a R$ 464 milhões de reais no acumulado do ano. "Não se pode falar que a construção esteja andando de lado, muito menos no ramo habitacional", contrapõe Ana Maria Castelo, economista da GV Consult especializada no setor. Segundo ela, além do aumento da procura por financiamento, o emprego formal também mostra bom desempenho. O nível de emprego formal na construção civil ficou 4,83% maior entre janeiro e março, sobre igual trimestre de 2004, pelos dados do Ministério do Trabalho. Mas o setor de edificações, que agrega cerca de 24% da força de trabalho do setor, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou estabilidade, com tímidos de 0,13% no período. A construção civil retraiu-se muito entre 2001 e 2003 e o crescimento do ano passado e desses primeiros meses ainda não foi suficiente para colocá-la em um patamar confortável. Além disso, o crescimento está pulverizado, analisa Ana Maria. Ao mesmo tempo em que habitação e reformas caminham bem, os ramos que mais pesam no setor - infra-estrutura e ampliação do parque industrial - ainda patinam. "Essa realidade, aliada a um cenário de juros elevados e dólar em queda, causa frustração no empresário", comenta. O secretário do Snic não está otimista com os números de abril. A previsão, com base em dados preliminares, é de queda n consumo de cimento entre 2,5% e 3% sobre março, e uma alta acumulada em 2% no primeiro quadrimestre. Assim, o crescimento nos próximos meses terá de ser intenso para que a projeção de alta de 3,5% a 4% na produção se confirme, comenta. Para Bráulio Borges, da LCA Consultores, os dados de financiamento do BC podem ser indicadores antecedentes para a construção e devem refletir na maior compra de insumo nos próximos meses. "A resposta não é imediata. Há um intervalo entre a tomada do empréstimo e o início das obras", explica. Outro insumo utilizado em larga escala para a construção civil é o vergalhão, um tipo de aço longo. A produção despencou 11% no primeiro trimestre, enquanto o consumo recuou 13% na comparação com igual período de 2004. Em relação ao último trimestre, a produção cedeu 2,5% e o consumo cresceu 15%. A situação do aço é bastante diferente daquela refletida pelo cimento, ressalta Ana Maria. A partir do segundo semestre do ano passado as empresas consumidoras de aço compraram muito, temendo uma forte alta nos preços do insumo. "Elas estão estocadas até agora e, por isso, pararam de comprar. Estão consumindo os estoques", explica a economista. Na área de infra-estrutura, a queixa dos empresários é que o governo está longe de investir os R$ 6 bilhões previstos para este ano. Segundo o presidente da Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor), José Alberto Pereira Ribeiro, o governo já liberou R$ 1,5 bilhão, mas só foram gastos efetivamente R$ 209 milhões, dos quais R$ 150 milhões para investimento, nos quatro primeiros meses do ano. "Nunca tivemos tanto dinheiro e nunca executamos tão pouco", reclama. A analista da Tendências, Amaryllis Romano ainda sustenta que o Produto Interno Bruto (PIB) da construção civil vai crescer 5% neste ano. "Mas não vai estar ancorado na infra-estrutura", diz. Amaryllis acredita que enquanto as Parcerias Público Privadas (PPPs) não saírem do papel, esse setor seguirá patinando. Por outro lado, as obras voltadas ao turismo, como a construção de resorts, têm movimentando milhões de reais. A construtora Matec, de propriedade de Augusto Milano, é um exemplo de empresa que está de olho no setor do turismo e tem muito o que comemorar. Só neste começo de ano, o volume total de contratos fechados pela Matec cresceu vigorosos 30%. Ele acredita que os empresários já estão menos otimistas hoje do que há dois meses, devido ao juros e à situação do câmbio, mas as decisões de investimentos, diz, são pensadas a médio e longo prazo e dificilmente interrompidas no meio do caminho.