Título: O ralo esquecido da Sudam
Autor: Rizzo, Alana ; Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2010, Política, p. 2

verbas públicas

Coleção de falhas nos inquéritos e lentidão da Justiça fazem com que as fraudes aos cofres públicos, que superaram R$ 4 bilhões, continuem impunes quase 10 anos depois

Quase 10 anos depois da descoberta das fraudes bilionárias contra a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Nordeste (Sudene), a impunidade é quase uma certeza para a maior parte dos envolvidos. Das 481 ações, que somam mais de R$ 4 bilhões, a Justiça impôs duas ou três condenações. Nada foi devolvido aos cofres públicos. Falhas nos inquéritos policiais e a morosidade da Justiça estão inviabilizando a condenação dos empresários, servidores e políticos beneficiados. Acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) como o principal articulador do esquema, o ex-senador Jader Barbalho (PMDB-PA) se prepara para voltar à cena. Ainda não decidiu se alça voos em Brasília, onde chegou a ocupar a presidência do Senado, ou se permanece no estado e tenta uma campanha ao governo. As investigações revelaram o envolvimento de grandes empresas, como a Volkswagen e o Banco Tokyo, no esquema de desvio de recursos da Sudam. De acordo com o MPF, a documentação administrativa, contábil e financeira comprovou uma triangulação envolvendo essas empresas e a Papetins ¿ Indústria e Comércio de Artefatos de Papel e Papelão do Tocantins. Ficou constatado que as empresas burlavam o financiamento do Finam. Parte do percentual do Imposto de Renda recolhido por tais empresas era devolvido a elas, quando na verdade, deveria ter sido empregado integralmente no projeto aprovado com a Sudam. A investigação revela fraude de mais de R$ 20 milhões. A construção civil do projeto Papetins ficou em pouco mais de R$ 1,5 milhão, enquanto a empresa recebeu R$ 28,2 milhões para executar a proposta. Em depoimento à Justiça, a testemunha Aluísio Motta disse que ¿a participação societária, na realidade, funcionava de forma fictícia, somente para cumprir exigência da lei, mas, de fato, o investidor (no caso a Volks) não participava de nada na empresa, até porque uma Volkswagen do Brasil jamais iria querer investir numa empresa de biscoito do Tocantins, por exemplo¿. A Volkswagen informou que não iria se pronunciar sobre o caso. A Polícia Federal não estava preparada para esse tipo de investigação. Perdeu-se em práticas infrutíferas, como a tomada de dezenas de depoimentos e as visitas a fazendas abandonadas. Como a pena é pequena nesses casos, os prazos de prescrição estão se encerrando. Em 2007, vários processos foram considerados prescritos. A Justiça se nega a aceitar a tese de crime de colarinho branco, cujo prazo de prescrição é de até 12 anos, preferindo entender que se trata de crime contra a ordem tributária, com quatro anos para julgamento. Recuperar o dinheiro após tantos anos fica cada vez mais difícil, embora não haja prescrição para isso. Muitas empresas eram fantasmas, outras faliram. Quem desviou dinheiro já aplicou em outros negócios, enviou para o exterior ou simplesmente gastou. As pessoas físicas não têm bens a oferecer em contrapartida. Procuradores correm contra o tempo, mas afirmam que não serão recuperados nem 10% dos cerca de R$ 4 bilhões(1) que teriam sido desviados. Cerca de 80% do dinheiro emprestado pelo governo foi desviado. No Pará, há mais de 200 denunciados em 70 processos. Nenhuma condenação. Não foi recuperado um único centavo.

Prejuízo

Em Tocantins, há duas condenações em primeira instância. Lá, o Ministério Público tenta recuperar R$ 270 milhões de 23 grandes empresas. Na ação civil pública de maior valor, contra a Agroindústria de Cereais Dona Carolina, o MP cita que os empresários da família Rebeschini teriam agido ¿contando com o auxílio do então parlamentar Jader Barbalho e do então superintendente da autarquia José Artur Guedes Tourinho¿, obtendo ¿indevidamente¿ financiamento do Finam, em prejuízo da Sudam, ¿induzindo e mantendo a autarquia em erro mediante a prática de diversas fraudes¿. Em 2009, das 10 ações civis públicas da Procuradoria da República do Tocantins, envolvendo 32 empresários, dois agentes políticos, 27 servidores públicos e 35 empresas, apenas em uma ação o pedido de quebra de sigilo fiscal e bancário foi aceito pela Justiça. Em todas as outras, foi indeferido, assim como os pedidos de indisponibilidade dos bens dos acusados.

Sem estimativas

Não há um controle unificado nos processos da Sudam. O Ministério Público Federal do Pará atua em 471 casos, mas não tem condições de informar prontamente quanto foi desviado. Para chegar ao número, seria preciso verificar em quais casos houve julgamento e quais foram os resultados. Seria preciso, ainda, pesquisar um a um os processos na Justiça, em Belém e no interior. Não há banco de dados com tais informações.

Memória Avanço, só da desigualdade

O esquema de fraudes na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) consistia na aprovação de projetos fantasmas e superfaturamento de obras. O ministério da Integração Nacional liberava incentivos fiscais para quem investisse na área com o objetivo de promover o avanço da região e reduzir as desigualdades entre as regiões Norte e Sudeste. O mesmo acontecia com a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). A Sudam, com sede em Belém, no Pará, atuava em todos os estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Tocantins, Mato Grosso, Roraima, Rondônia e Maranhão). O ex-presidente do Senado Jader Barbalho (PMDB-PA) tinha o controle das indicações para o comando da superintendência. Foi ele o responsável pelas nomeações de José Artur Guedes Tourinho e de Maurício Vasconcelos, superintendentes demitidos por envolvimento em projetos irregulares. Jader (foto) chegou a ser preso pela Polícia Federal (PF). A disputa pela Mesa da Casa levou o ex-senador Antônio Carlos Magalhães a denunciar o parlamentar e divulgar uma lista de empresas que teriam recebido recursos públicos sem nunca executar projetos na região. A gravidade das denúncias pressionou o governo a investigar as irregularidades no órgão e a nomear um interventor. Auditoria na autarquia em 2001 constatou desvio de R$ 1,7 bilhão. Nas investigações, a mulher de Jader, Márcia Zahlut, surgiu como suspeita de ter desviado verba liberada pela Sudam para seu ranário. Márcia foi sócia do empresário goiano José Osmar Borges, o maior fraudador da autarquia, segundo o Ministério Público. A quebra de sigilo telefônico de Borges revelou mais de 700 ligações para aliados políticos e familiares de Jader, sendo 300 para o próprio. Em 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, a Sudam foi extinta por causa da série de escândalos, juntamente com a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Foi substituída pela Agência de Desenvolvimento da Região (ADA). Em 2007, Lula recriou a Sudam liberando, por meio de fundos, a retomada dos investimentos na região.