Título: Fitch sugere limites para o crédito consignado
Autor: Maria Christina Carvalho
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2005, Finanças, p. C1

Empréstimos Carteira dos bancos atingiu R$ 6,7 bi no início do mês

A margem de 30% da renda líquida que os aposentados podem comprometer mensalmente com o pagamento do crédito consignado deveria ser fixada conforme a faixa do benefício recebido. A sugestão consta do paper que acaba de ser elaborado pela agência internacional Fitch Ratings, que aborda os riscos potenciais do crédito consignado. "O escalonamento da margem consignável, levando em conta a faixa de renda e o prazo da operação, pode ser uma saída para a preservação de um produto de crédito muito bom, mas cujos riscos não estão sendo corretamente avaliados", afirmou o presidente da Fitch Ratings, Rafael Guedes. A sugestão vem em um momento em que o INSS suspendeu a autorização para mais bancos entrarem no empréstimo consignado, após as denúncias de um comportamento muito agressivo de agentes de crédito e até de algumas fraudes. Até agora, informou a Fitch, 24 bancos foram autorizados a dar crédito consignado a aposentados e pensionistas do INSS; e outros 23 estão interessados na habilitação. O INSS pretende reestudar as regras da operação. Enquanto isso, os bancos, em iniciativas capitaneadas tanto pela Associação Brasileira de Bancos (ABBC) quanto pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), preparam cartilhas para os aposentados. O crédito consignado para beneficiários do INSS disparou em menos de um ano de operação, passando do zero para R$ 6,798 bilhões no dia 2 de junho, em 3,084 milhões de operações, segundo dados divulgados ontem pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev). A média diária das operações realizadas dobrou neste ano, passando de 13,5 mil em fevereiro para 26,9 mil em junho. O valor médio foi calculado em R$ 2,2 mil. O crescimento acelerado do crédito consignado não preocupa tanto a Fitch quanto a concentração desse negócio em alguns bancos. "O crédito consignado chega a representar 70% dos novos negócios de um banco especializado. Em boa parte dos casos, significa 30%, o que já é bastante", disse Guedes. Para o especialista, os bancos pequenos e médios se entusiasmaram com o negócio porque suas características "mitigaram vários tipos de risco de crédito". Mas, a Fitch enxerga outros riscos que não estariam sendo contemplados, além da concentração dos negócios. Mesmo bancos que cederam a carteira para grandes instituições por falta de limite de capital para a alavancagem, permanecem com o risco de crédito. Para Guedes, o principal risco é o de um aperto dos tomadores, com prováveis repercussões sociais que redundariam em uma eventual revisão de regras. Ele lembrou o caso do prejuízo com o qual os bancos tiveram que arcar com o impacto da desvalorização do real de 1999 nas operações de leasing em dólares. A Fitch considera excessiva a margem consignável de 30% da renda líquida, especialmente para os tomadores de mais baixa renda. Recorrendo à Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2003 do IBGE, a Fitch informa que as despesas de consumo das famílias que ganham até dois salários absorvem 95% da renda, restando apenas 5% para uso livre. Somente nas classes A e B é que sobrariam 30% livres, pois as despesas de consumo ficam com 70% da renda. A maior parte do crédito consignado dos beneficiários do INSS - 62% - foi tomado por pessoas que ganham até dois salários mínimos. Em abril, o percentual era de 58%. E a fatia de quem ganha até um salário mínimo subiu de 42% para 46% no mesmo período. Muitas dessas pessoas já estão bastante endividadas, tanto que mais da metade delas (52%) toma o crédito consignado para liquidar débitos mais caros e 21% para pagar compromissos de familiares. Quem ganha um salário mínimo pode levantar até seis vezes o valor, mas termina pagando quase 11 salários, calculou o analista da Fitch, Silvano Gersztel. "Para quem ganha R$ 300 é difícil ficar sem R$ 90 por mês durante três anos", disse Guedes. O presidente em exercício da ABBC, Álvaro Augusto Vidigal, não é favorável a uma redução da margem consignável; e afirmou que seria preferível reduzir o prazo das operações, o que permitiria a diminuição dos juros. Os bancos cobram ao redor de 1,7% nas operações até 180 dias. Para ele, a postura mais agressiva de algum banco é resultado da competição pelos clientes. "Os bancos pequenos e médios conseguiram, com o sistema de agentes e correspondentes, competir com os grandes bancos e com seus produtos, como o cheque especial. Os bancos pequenos e médios ocuparam um um espaço em que os grandes não quiseram entrar por causa da rentabilidade menor", afirmou Vidigal. A cartilha que está sendo elaborada, informou, vai ensinar o aposentado a composição do custo do dinheiro, incluindo a taxa de abertura de crédito (TAC).