Título: O desafio de liderar e ser o exemplo para toda a organização
Autor: Andrea Giardino
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2005, EU &, p. D6

Ética Professora da Universidade de Richmond fala sobre a crescente preocupação com a boa conduta

Após os escândalos financeiros que vieram à tona, a exemplo da Enron, WorldCom e Parmalat, a ética corporativa virou assunto prioritário na agenda dos CEOs do mundo inteiro. No Brasil, o tema não poderia ser mais apropriado, diante das suspeitas de sonegação de impostos que atingiu a cervejaria Schincariol. Para Joanne Ciulla, professora da Universidade de Richmond (EUA), problemas como esses refletem o enorme desafio que os líderes enfrentam em lidar com a transparência de suas ações e a pressão do universo competitivo dos negócios. "Cabe às companhias adotarem uma cultura que valorize a ética como característica fundamental", afirma. Ao contrário do que se imagina, destaca Joanne, nem sempre os princípios de boa conduta podem ser vistos entre as empresas bem sucedidas. "Prova disso é que os casos de fraudes vieram de quem tinha uma boa imagem no mercado", alerta. Em Richmond, Joanne dá aulas sobre liderança e ética empresarial. É autora de cinco livros, entre eles, "The Working Life: The Promise and Betrayal of Modern Work", que recebeu em 2000 prêmio da Amazon como melhor obra de negócios. Semana passada, Joanne esteve em São Paulo, à convite do Ibmec-SP, e concedeu entrevista ao Valor, onde falou sobre o dilema dos líderes que precisam conciliar a busca por resultados e a ética no desempenho de suas funções. Leia trechos da conversa abaixo: Valor: O papel do líder é fundamental para a manutenção da ética na organização? Joanne Ciulla: Sim, o exemplo vem de cima. A confiança e o respeito dos subordinados estão relacionados ao exemplo daqueles que têm funções de comando. Hoje em dia, a sociedade rejeita o uso manipulador do poder. As pessoas desejam seguir líderes íntegros e coerentes. E são eles que acabam atraindo profissionais mais capacitados e competentes. Valor: Por que tantos casos de fraudes foram descobertos praticamente no mesmo período? Joanne: Quando você vê uma companhia com determinado problema, descobre que há muito mais casos. Exemplo disso foi a Enron que desencadeou uma sucessão de novos escândalos. É feito um vírus que acaba se espalhando. Se um executivo começa a fazer uma coisa de uma determinada maneira, as pessoas começam a achar que o errado é o certo. Valor: De que forma o alto comando pode inibir atitudes antiéticas em sua empresa? Joanne: É preciso se preocupar também com profissionais de nível hierárquico mais baixo, como os gerentes de segunda linha. Porque se algo estiver errado a culpa é do líder, mesmo se quem não estiver agindo de acordo com valores éticos forem os funcionários da base da pirâmide. A responsabilidade é toda de quem está no comando. O mesmo se aplica na política. Às vezes, o presidente de uma nação não sabe o que vem acontecendo, mas é dele sua inteira responsabilidade. Veja o outro lado da história. Quando coisas boas são realizadas, o sucesso sempre é atribuído a ele. Valor: E como formar líderes mais éticos? Joanne: Vimos que os problemas atingiram empresas consideradas sólidas e que não eram tão sólidas assim. As empresas precisam ter instrumentos institucionais que permitam verificar o comportamento dos líderes e balancear a distribuição de poder. Na maioria das vezes os líderes são antiéticos porque não sabem fazer as coisas da maneira certa. Eles até possuem bom caráter, mas quando se tornam líderes acabam se corrompendo e mudam sua forma de agir. Valor: O que pode ser feito para reverter isso? Joanne: O problema é que ele acaba tendo à sua volta pessoas que só dizem sim. Acredito ser indispensável ter no ambiente opiniões contrárias para que haja um equilíbrio. Outra questão é saber lidar com o sucesso. Muitos deixam de ter humildade e esta é uma questão fundamental. Valor: Boa parte das empresas afirmam ter dificuldade de serem éticas diante da concorrência desleal do mercado. Na sua opinião, qual seria a solução para esse tipo de problema? Joanne: Esta é uma situação complicada. Mas acho que depende de como você quer viver sua vida. A grande questão está em optar por fazer coisas erradas e se sentir mal com isso ou viver bem e poder se olhar no espelho. E é claro, sofrer as conseqüências. Infelizmente ser ético nem sempre significa ter um final feliz. Valor: A falta de ética vem crescendo muito nas corporações? Joanne: Na realidade, os executivos com má conduta passaram a ser descobertos mais rapidamente. E a incidência ocorre mais em empresas maiores, pelo próprio tamanho de suas operações. Nelas é mais fácil esconder problemas de fraude, por exemplo, do que em empresas pequenas. Não dá pra se comportar de uma maneira não ética nas menores, você acaba sendo descoberto.