Título: Vaga no Congresso, paletó nos estados
Autor: Vaz, Lúcio; Jerônimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 18/04/2010, Político, p. 2

Levantamento do Correio indica que é usual em vários partidos acomodar longe de Brasília funcionários contratados para trabalhar em gabinetes de deputados e de lideranças

O telefone toca no diretório estadual do PSDB baiano, em Salvador. São 11h da manhã de quinta-feira, horário de trabalho. A funcionária atende prontamente. ¿Eu gostaria de falar com o José Valdomiro Pena (2º vice-presidente do partido)¿, fala a repórter. ¿O Zezito Pena?¿, pergunta a secretária. Ela informa, então, o paradeiro do dirigente: ¿Ele não está em Salvador, mas mora aqui pertinho. Tem fazenda no interior e fica muito lá¿. Não haveria nada de estranho se Zezito não fosse funcionário lotado no gabinete do líder do PSDB na Câmara dos Deputados, João Almeida (BA). E o caso dele não é isolado. Levantamento feito pelo Correio, ao longo de duas semanas, mostra que algumas dezenas de dirigentes partidários estão acomodados em gabinetes de deputados e lideranças de bancadas. Eles trabalham no estado de origem dos parlamentares, sem a obrigação de bater o ponto para comprovar presença (veja quadro).

A prática se espalha por legendas de diferentes matizes, de centro, de esquerda, governistas, oposicionistas, grandes, pequenas. Há companheiros acomodados nos gabinetes do líder tucano, João Almeida (BA); do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN); do ex-presidente petista Ricardo Berzoini (SP); do contestador Fernando Gabeira (PV-RJ) e até do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). Alguns dos dirigentes já deixaram o cargo no partido, mas o período de contratação ficou registrado nos anais da Casa.

Não há proibição expressa para essas contratações nas normas internas da Câmara, como não havia em relação ao nepotismo durante décadas, até o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a sua inconstitucionalidade. Espaços antes ocupados por parentes de parlamentares agora abrigam colegas de partido. O Código de Ética do PT veta apenas que os integrantes de comissões executivas da sigla ocupem ¿função de confiança¿ na administração pública do estado em que exercem a função de direção partidária.

O múltiplo Os dirigentes do PT de Goiás têm motivo de sobra para se empenhar na campanha do deputado Pedro Wilson (PT-GO), ex-prefeito de Goiânia. O parlamentar foi generoso ao abrir as portas de seu gabinete para dois dirigentes do partido, no estado. Do município de Formosa, a 90km de Brasília, Wenner Patrick atua como secretário de Interior da sigla e assessor parlamentar do deputado. Na capital, a marca de Pedro Wilson se espalha com a atuação de Sérgio Alberto Dias, o Serjão. Além de secretário-geral do PT goiano, Serjão acumula o cargo de secretário especial da prefeitura de Goiânia.

Tempo não é problema para Serjão exercer as múltiplas funções. Apesar de secretário, o petista afirma que ¿nas horas vagas¿ se dedica ao partido. ¿O meu trabalho é na secretaria especial. Esse meu outro trabalho com o deputado é como militante. A gente faz isso no fim de semana. Tanto com o deputado como no partido, a gente faz isso nas horas livres¿. Indagado sobre sua nomeação no gabinete, Serjão afirma que pediu exoneração na última segunda-feira, assim que foi convocado pela prefeitura de Goiânia. ¿Eu me desliguei de lá. Agora estou efetivo na prefeitura.¿

Às avessas Os secretários parlamentares podem trabalhar no escritório do deputado no estado, mas a maioria deles dá expediente na sede do partido. No início da tarde de sexta-feira, o assessor Walter Sorrentino foi procurado no diretório do PCdoB de São Paulo. Ele não estava, mas é lá que ele trabalha, e tem até secretária. ¿Ele fica aqui no partido mesmo. Pode falar com a secretária dele que ela dá recado¿, avisou a funcionária. No gabinete do ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo (SP), onde Sorrentino está lotado, a assessoria do deputado disse que ¿ele trabalha para o partido e, consequentemente, ajuda no mandato¿. Na verdade, deveria ser o contrário.

O deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES) abriga dois dirigentes do partido capixaba no seu gabinete. Mas os dois ficam no estado. Um deles, Michel Minassa, divide o tempo entre a militância política, o trabalho para o deputado e o seu escritório de advocacia. ¿Faço assessoramento jurídico, sou do Instituto Teotônio Vilela. Sou comissionado na Câmara, tenho atividade forense e sou da executiva estadual do PSDB¿, listou Minassa. Ivelyse Lucas Campos também dá expediente no partido, segundo informou uma secretária da legenda tucana no Espírito Santo. A assessoria do deputado afirmou que o trabalho de Ivelyse no diretório é ¿burocrático¿ e ¿voluntário¿.