Título: Câmbio artificial dará curto fôlego para as exportações
Autor: Antônio Corrêa de Lacerda
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2005, Opinião, p. A12

Brasil deveria aproveitar melhor o momento de expansão do mercado internacional

O fato do Brasil estar conseguindo resultados recordes de exportações, de US$ 11 bilhões em julho, e de superávit comercial, de US$ 5 bilhões no mesmo mês, tem levado a uma interpretação equivocada de que a valorização do real não tem sido prejudicial para o desempenho da balança comercial e da economia em geral. A questão é que deveríamos estar aproveitando muito mais as oportunidades advindas de um mercado internacional em expansão. Uma boa meta seria atingir, no menor prazo possível, exportações de US$ 200 bilhões ao ano, mais compatível com o nono lugar que ocupamos na economia mundial (pelo critério de PIB por Paridade de Poder de Compra, segundo o Banco Mundial) e comparável a países de porte semelhante. O mercado tem oferecido enormes oportunidades. A economia internacional tem crescido, em termos reais, ao ritmo de 4% ao ano, e as exportações em cerca de 10%. Catapultadas pela demanda crescente, principalmente da China e EUA, os preços das principais commodities se valorizaram no mercado internacional, representando oportunidades para países como o Brasil. Outro ponto de destaque é que o expressivo ajuste no balanço de pagamentos brasileiro dos últimos anos tem sido fundamental para diminuir a nossa vulnerabilidade externa. Diante de um quadro internacional tão favorável, deveríamos perseguir um crescimento do PIB pelo menos equivalente à média dos principais países em desenvolvimento. Enquanto esses têm crescido sustentadamente, cerca de 6 a 7% ao ano, temos tido um desempenho médio inferior à metade disso. Para crescer de forma sustentada e mais robusta, o Brasil necessitará importar mais, sem abrir mão da geração de um superávit comercial expressivo, sob o risco de ter seu crescimento interrompido, como já aconteceu recorrentemente na nossa história, por problemas nas contas externas. O desafio é ampliar a corrente de comércio, com geração de superávit comercial para compensar o déficit estrutural na balança de serviços da ordem de US$ 27 bilhões ao ano. Essa é uma conta que apresenta uma relativa rigidez, dada principalmente pelo item serviços de fatores, referentes ao pagamento de juros sobre a dívida externa, remessas de lucros e dividendos ao exterior e de royalties e licenças. A meta oficial do MDIC é que o Brasil atinja a marca de US$ 115 bilhões de exportações em 2005. É um objetivo ousado, se comparado ao nosso passado recente, porém modesto, considerando o benchmark internacional, como veremos. É também uma realidade que temos crescido no passado recente acima da média internacional. Segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio), no primeiro quadrimestre desse ano, enquanto as exportações mundiais cresceram 14%, o desempenho brasileiro foi de 25,7%. Também em 2004, em valores nominais, enquanto as exportações mundiais cresceram 18%, as exportações brasileiras aumentaram 32%. Destaque-se ainda o fato positivo de que obteve um expressivo superávit na balança comercial, de US$ 33 bilhões em 2004, e que será amplamente superado esse ano.

Países que tinham um volume de exportação equivalente ao nosso há 20 anos exportam hoje um volume bastante superior

No entanto, o relativamente bom desempenho exportador dos últimos dois anos é apenas a recuperação parcial de uma participação relativa que já tivemos no passado. Trata-se de um volume muito abaixo da média de países comparáveis. O Brasil havia perdido participação no mercado mundial nas duas últimas décadas, justamente as mais pródigas em oportunidades, decorrentes do grande boom da globalização e seus principais fatores: redução das tarifas de importação, regionalização das economias (formação de blocos) e expansão das empresas transnacionais. No ranking dos principais países exportadores de 2004 o Brasil só aparece em 25º lugar, com US$ 96 bilhões e apenas 1,1% de participação. É muito pouco para um país que já teve 1,5% de participação nas exportações mundiais em meados da década de 1980 e que hoje representa a nona economia mundial, considerando o PIB por Paridade de Poder de Compra. Países que tinham um volume de exportação equivalente ao nosso há 20 anos exportam hoje um volume bastante superior. É o caso, por exemplo, da Coréia do Sul (US$ 254 bilhões), México (US$ 189 bilhões), Rússia (US$ 183 bi), Taiwan (US$ 181 bilhões), Cingapura (US$ 180 bilhões), Malásia (180 bilhões) e Espanha (US$ 179 bilhões), para não citar a China, que exporta cerca de US$ 600 bilhões. Exportação, no caso brasileiro, não se trata de uma escolha excludente entre atender ao mercado externo ou interno. Ao contrário, trata-se de aproveitar a economia de escala gerada pela crescente demanda potencial doméstica para ganhar competitividade internacional. Para consolidar essa estratégia é imprescindível que as exportações brasileiras cresçam sustentadamente acima do crescimento econômico doméstico desejado, das importações e também da média internacional, o que pressupõe um conjunto de ações que implicam, entre outras iniciativas: 1) articular uma ativa estratégia exportadora, desvinculada da conjuntura do mercado interno e externo; 2) implementar uma política cambial competitiva, o que significa uma taxa de câmbio desvalorizada e menos volátil; 3) criar novas competências em produtos e serviços de alto valor agregado e solidificar as vantagens competitivas nos setores tradicionais; 4) gerar e divulgar as marcas brasileiras e abrir canais de distribuição de produtos no exterior; 5) negociar acesso aos mercados externos, ampliando a participação em grandes mercados e ingresso em novos; 6) ampliar os canais de negociação e influenciar as estratégias das empresas transnacionais, inclusive aquelas de origem brasileira, que são responsáveis por cerca de 60% do total das nossas exportações. Ou seja, o sucesso exportador depende de uma série de fatores. Como muito bem tem sido enfatizado, o câmbio não é tudo. Mas não se conhece experiência de país em desenvolvimento que tenha tido crescimento econômico expressivo sem um robusto setor externo, com exportações e reservas fortes. Da mesma forma, não há experiência, nesse sentido, de país que tenha obtido esse desempenho com taxa de câmbio valorizada. Se quisermos crescer mais e de forma sustentada, não podemos repetir o erro de trocar um maior desempenho duradouro por um sucesso parcial e fugaz do controle da inflação mediante uma taxa de câmbio artificialmente valorizada pela maior taxa de juros reais do planeta.