Título: Legislativo enfraquecido
Autor: Prates, Maria Clara; Almeida, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 14/04/2010, Brasil, p. 9

Flerte com o totalitarismo

Texto do PNDH avança sobre funções pertencentes originalmente aos parlamentares e transfere parte do poder a esferas do Executivo

Um dos resultados práticos do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), elaborado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, no fim do ano passado, será, além de evidenciar, colaborar para o enfraquecimento do Poder Legislativo. O texto, na visão de Otávio Júlio Pedersoli Rocha, presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB/MG) e mestre em direito constitucional, tem grande abrangência de assuntos e avança sobre funções que pertencem originalmente ao Poder Legislativo, hoje colocado em uma posição desprestigiada, não só em razão dos inúmeros escândalos, mas também da baixa qualidade de seus representantes.

¿Esse programa, de tão abrangente, que não poderia ter sido apresentando no fim de um governo e sim no início, na verdade, trata-se de plano de governo, que deveria ter sido apresentado antes da eleição¿, afirma Otávio Júlio. Em sua análise, o documento apresenta avanços importantes, como a iniciativa de fortalecer, em diferentes esferas da administração, inclusive do Poder Legislativo, a participação popular. Entretanto, o constitucionalista alerta que o documento, em seu item F do Objetivo estratégico I, que trata da garantia da participação e do controle social das política públicas, permite também que as convocações de plebiscitos e referendos deixem de ser exclusivas do Congresso Nacional, como prevê a Constituição, e possam ser de iniciativa do Executivo.

¿Esse item não só fere a Constituição como pode gerar uma pseudodemocracia, em razão do desequilíbrio entre os poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. De fato, o artigo 1 da nossa Carta diz que todo poder emana do povo e deve ser exercido por ele. Entretanto, está previsto ainda a alternância de poder. O Executivo é um poder majoritário, representa determinada corrente, já o Legislativo representa diferentes vertentes da sociedade, portanto, é mais adequado que ele tenha a competência para convocar plebiscitos¿, diz Otávio Júlio.

Terceiro mandato Como exemplo da consequência da transferência para o Executivo desse poder, ele cita a possibilidade de um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso o texto já estivesse em vigor. Considerando a aprovação de seu governo, que chegou a 76% de conceito ótimo e bom, de acordo pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em março, não resta dúvida de que ele sairia vencedor numa consulta popular. Outro exemplo, dessa vez mais preocupante, vem da Venezuela, segundo o constitucionalista. No poder há 10 anos, Hugo Chávez, depois de convocar um plebiscito, saiu vencedor em fevereiro de 2009 e conseguiu autorização popular para se candidatar à Presidência quantas vezes quiser.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Cristovam Buarque (PDT/DF), afirmou que os itens do Programa Nacional de Direitos Humanos que pretendiam alterar a Constituição sofreram revisão quando foram encaminhados ao Congresso. ¿O avanço sobre as competências do Legislativo não preocupa porque os itens serão modificados¿, afirmou o senador. Entretanto, ele ressaltou que existem outros furos no texto que o preocupam mais, como a falta de menção à erradicação do analfabetismo ou mesmo a ausência de especificação das formas de proteção a crianças e adolescentes a serem implementadas.

Como num coro uníssono com outros críticos do programa, o senador Cristovam Buarque também considera que a amplitude do texto é seu pecado e também sua virtude. ¿É preciso admitir, entretanto, que a iniciativa da Secretaria Especial de Direitos Humanos é um avanço em relação ao que se tem hoje. Está correta a iniciativa, mas precisamos mudar para melhorar¿, conclui. Nessa mesma linha, Otávio Júlio diz que, para fazer algumas das alterações previstas no programa, o governo poderia simplesmente ter apresentado projetos de lei ou ainda proposto uma agenda, por meio de sua base aliada, para votação dos inúmeros projetos sobre temas abordados no documento, já em tramitação no Legislativo.

Mudanças O constitucionalista Otávio Júlio diz que é de conhecimento de todos que a implantação do Programa Nacional de Direitos Humanos, por meio apenas do Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, é impossível porque algumas das medidas alteram a Constituição e, portanto, dependem de novas leis, que precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional. ¿Na verdade, é importante também investir na formação de cidadãos mais conscientes. Porque quem não gosta de política é governado por quem gosta, que pode ser aqueles que pretendem tirar vantagem, obter privilégios ou representar interesses privados¿, defende Otávio Júlio, que conclui: ¿Precisamos aplicar nossa cidadania futebolística na política. Isso porque damos palpite no nosso time de futebol e muitas vezes conseguimos trocar o técnico, mas nos recusamos a participar das decisões do Estado¿.

Diretriz 1: Interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa. Objetivo estratégico I: Garantia da participação e do controle social das políticas públicas em Direitos Humanos, em diálogo plural e transversal entre os vários atores sociais.

Ações programáticas: f) Estimular o debate sobre a regulamentação e efetividade dos instrumentos de participação social e consulta popular, tais como lei de iniciativa popular, referendo, veto popular e plebiscito. Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria- Geral da Presidência da República Parceiro: Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República Recomendação: Recomenda-se ao Poder Legislativo desbloqueio parlamentar dos mecanismos do referendo e plebiscito, reforço da iniciativa popular de projetos de lei e criação de propostas de emendas constitucionais, além da instituição do referendo reconvocatório de mandatos eletivos.

É preciso admitir que a iniciativa da Secretaria de Direitos Humanos é um avanço. Está correta a iniciativa, mas precisamos mudar para melhorar¿

Cristovam Buarque, senador pelo PDT-DF

Otávio Júlio Pedersoli Rocha, presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MG