Título: Joga fogo no lixo
Autor: Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 18/03/2010, Brasil, p. 12

MEIO AMBIENTE

Especialistas apontam avanços no projeto nacional que trata de resíduos sólidos, mas fazem duras críticas à incineração, considerada prejudicial em todos os aspectos. Catadores engrossam lista de insatisfeitos

Os elogios são muitos, as ressalvas, mínimas. Mas está no pequeno senão o problema do projeto de lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovado este mês. Apesar de celebrado pelos experts da área, o texto recebeu uma queixa em relação aos avanços já conquistados pela política ambiental brasileira: a incineração de resíduos.

A técnica que já está extinta em países como a Argentina é considerada prejudicial tanto do ponto de vista ambiental quanto do social. A queima do lixo desprezado pode provocar problemas de saúde (respiratórios, especialmente), além de eliminar substâncias tóxicas no meio ambiente e gases pesados no ar, como o óxido nitroso e o dióxido de carbono. Vai na contramão das convenções internacionais de que o Brasil fez parte e, não bastasse isso, os custos com a incineração são altos e não atendem a nossa realidade, critica a coordenadora da área de ambiente urbano do Instituto Pólis, Elisabeth Grimberg.

A especialista adianta que aprova vários pontos da proposta que ainda será apreciada pelo Senado, mas que as entidades que ajudaram a construir o texto sentiram resistência na hora de justificar a retirada do item. Há um lobby muito grande das empresas de incineração que querem se instalar no Brasil. Só em São Paulo, descobrimos que para se incinerar 2 mil toneladas de resíduos seriam gastos 250 milhões de dólares, critica.

Considerada uma tecnologia suja, a incineração prejudica a iniciativa de projetos socioambientais para a coleta e reciclagem de materiais. Não questionamos só o alto custo, mas a construção de um modelo que não gera emprego e renda para os catadores, completa Elisabeth.

O Brasil se comprometeu, durante a Convenção de Estocolmo, em 2001, e assinou o tratado da Organização das Nações Unidas (ONU), que aponta a incineração de resíduos como uma das principais fontes geradoras de poluentes orgânicos. E o tratado recomenda que o uso de incineradores seja eliminado progressivamente.

Um dos principais prejudicados com a política, o Movimento Nacional de Catadores engrossa a preocupação: Quando se incinera o resíduo se diminui a possibilidade de interação entre o setor de reciclagem e o setor responsável por ter gerado esse matéria, que são os empresários. Não gera emprego e traz um mal ao meio ambiente, reforça o representante do Movimento, Severino Júnior.

Mesmo com a queixa, o texto ainda é considerado um avanço no que diz respeito ao tratamento dado ao lixo no país. De acordo com o diretor-executivo da ONG Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), André Vilhena, os pontos principais se sobressaem à polêmica da incineração. A nossa política está bem alinhada à necessidade do nosso país. É difícil comparar aos demais porque cada um tem uma forma de lidar com o assunto, de acordo com a sua necessidade. Mas nós somos responsáveis por exportar nossas ideias aos demais países vizinhos e até para países da Ásia, conta.

Dos outros pontos importantes no projeto, os especialistas destacam a responsabilização de empresas com os resíduos sólidos, a elaboração de planos estaduais e municipais de tratamento adequado do lixo e a participação e fortalecimento das cooperativas de catadores.

De acordo com o secretário de recursos hídricos e ambiente urbano do Ministério do Meio Ambiente, Silvano Costa, a prática da incineração não seria motivo de preocupação. Ele afirma que a política aumentaria o número de municípios responsáveis pela coleta e destinação correta dos resíduos. Hoje, segundo Silvano, cerca de 59% dos municípios depositam os resíduos em lixões. Apenas 13% têm aterros sanitários, que é a melhor solução para evitar a contaminação do lençol freático.

O que diz

Pontos principais da Política Nacional de Resíduos Sólidos

Incentiva a criação de cooperativas de reciclagem para atuarem no processo com as empresas

Determina aos empresários que atuem no recolhimento dos materiais rejeitados, com destinação ambientalmente correta

Estipula metas de extinção de lixões e construção de aterros sanitários para tratamento adequado do lixo

Responsabiliza fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes pelo ciclo de vida dos produtos

Incentiva o investimento de artigos recicláveis e que gerem a menor quantidade possível de resíduos sólidos

Possibilidade de incluir a prática da incineração na eliminação de resíduos. A medida vai de encontro ao que pregam as políticas de inclusão social