Título: Marcas comuns vão parar na Justiça
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2004, Empresa, p. B1

Ticket e Natura já tiveram que recomprar o direito de usar o próprio nome

O uso da grafia da palavra inglesa ticket, apesar de ter seu equivalente em português, tíquete, tornou-se tão comum no Brasil que todos os principais dicionários de língua portuguesa registram o verbete. Até mesmo nos autos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) o vocábulo é amplamente usado. O que pode parecer apenas mais uma palavra em inglês inserida no vocabulário popular brasileiro, trata-se de um verdadeiro transtorno para os donos da marca Ticket, um dos braços da área de alimentação do grupo francês Accor. A Ticket briga na Justiça para tentar impedir que outras empresas registrem o nome, como complemento de suas marcas. Só no STJ, chegaram quatro casos, mas a Ticket perde para a jurisprudência, que considera que ticket é uma palavra de uso comum e portanto não há como garantir exclusividade à marca, apesar do registro concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O caso mais recente foi ilustrado por uma batalha judicial de oito anos com a brasileira Montreal Alimentação - então dona da marca de vale refeição Meal Ticket - que culminou com um acordo de R$ 150 mil, segundo o advogado da empresa, Luiz Araripe Júnior, do escritório Araripe & Associados. E a Montreal nem usava mais a marca. O caso entretanto, chegou ao STJ e um primeiro recurso foi negado. Outro recurso estava em andamento quando a Ticket preferiu comprar o direito da marca. O advogado da Ticket, José Antonio Faria Correa, do escritório Danneman Siemens, diz que não interessava ao seu cliente prolongar mais o caso. Ele conta ainda que a Ticket já conseguiu na Justiça a marca de alto renome e defende que ela não é comum por não ser designativa do produto, já que hoje o produto é representado por um cartão de crédito. Esse tipo de situação pode se tornar muito comum para aquelas empresas que escolhem para representar sua marca um nome que pode ser considerado "fraco" ou de uso comum. E essa fragilidade pode resultar em gastos significativos para defesa da marca na Justiça e investimentos pesados em marketing para torná-la forte e renomada, a ponto de não haver confusão para o consumidor. Curiosamente, a empresa de cosméticos Natura pode ser um exemplo desse uso comum. É curioso porque, no Brasil, a marca é fortemente reconhecida. Uma pesquisa feita pela própria empresa para apresentar o poder da marca ao INPI, observou-se que 84% dos entrevistados, pelo Brasil todo, conhecem a Natura. Esse percentual chega a 100% em pessoas com nível de estudo superior, segundo um dos advogados da empresa, Antonio Ricci. Além de usar os serviços de alguns escritórios terceirizados, a Natura tem uma forte estrutura interna para cuidar da marca e protegê-la. Mas o maior problema da Natura não é no Brasil, onde enfrenta poucas discussões judiciais, o problema é obter o registro no exterior. Natura, com esta grafia, não só é palavra de uso comum no Brasil como é um verbete mundial. O diretor jurídico da Natura, Antônio Siqueira, diz que a marca é muito forte na América Latina como um todo, mas em países em que a empresa ainda não é conhecida é mais difícil obter o registro. A marca já está registrada em 40 países, segundo Siqueira, e esse é um passo que faz parte do processo de internacionalização da empresa. Na França, recentemente, a Natura teve que comprar a marca de uma companhia secular. Já nos Estados Unidos, por enquanto, somente marcas de produtos como Natura Ekos e Natura Fotoequilíbrio foram obtidas. "Lá teremos que adotar uma estratégia diferenciada", diz Siqueira. Não será suficiente apenas pedir o registro Natura porque muitas marcas usam o nome. "Uma coisa é certa, não vamos entrar em países em que não obtivermos a marca Natura." Outra marca muito fraca e alvo de uma disputa judicial acirrada entre as grandes empresas de telefonia é a DDI (discagem direta internacional). A Embratel fez o registro do DDI na década de 80, quando dominava o mercado. Mas a marca é tão comum que a empresa não conseguiu mais tarde registrar o DDD. O resultado é que as outras telefônicas têm conseguido, por meio da Justiça, o direito de usar o DDI. A principal adversária é a Intelig, que em maio deste ano obteve uma decisão favorável da 28ª Vara Cível do Estado do Rio de Janeiro, que julgou improcedente a ação impetrada pela Embratel com o objetivo de impedir o uso de tal expressão pela Intelig.