Título: Brasil precisa ampliar corte de tarifas, diz Lamy
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2005, Brasil, p. A3

Pascal Lamy, novo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), adicionou combustível ontem no debate que ocorre no Brasil sobre amplos cortes de tarifas de importação para produtos industriais e reduzir limites a investidores estrangeiros em serviços. "Diante de sua ambição na agricultura - bastante agressiva para liberar -, o Brasil precisa também fazer esforço em outros setores", declarou Lamy em sua primeira entrevista coletiva. "Vi na imprensa brasileira que esse debate está no meio do caminho", numa referencia à proposta do Ministério da Fazenda de alterar a atual posição negociadora em Genebra e aceitar reduzir as tarifas máximas, de 35% para cerca de 10%. O novo diretor-geral da OMC sinalizou que a necessidade de comprometimento de abertura real por parte do Brasil, para fornecedores estrangeiros, é uma evidencia, pelo perfil que o país assumiu na Rodada Doha. "O Brasil tem um papel de peso na rodada, porque é agora um dos elefantes do comércio mundial, e pela condução do G-20. Isso traz responsabilidades e deveres. O caminho que o Brasil tomar vai ser visto atentamente por todos os outros países." As pressões sobre Brasil e Índia, especialmente, só tendem a aumentar. Delegados dos EUA e UE, ao mesmo tempo em que discutem como desbloquear a negociação agrícola, têm reiterado que baixar a média tarifária para 10% no Brasil é pouco, comparada à média de 12% aplicada hoje. Além disso, países mais protecionistas na agricultura endurecem na negociação de serviços. O Japão, com apoio da UE, Japão, Suíça e Taiwan, apresentou proposta pelo qual os países devem se comprometer com fórmulas de abertura em serviços para os fornecedores externos: os países industrializados abrem 60% de seus setores de serviços e as nações em desenvolvimento abrem 40%. A proposta estabelece que quem já tem setor de serviços liberalizado pode ser compensado abrindo menos - os beneficiados são os industrializados. "Como resistem a fazer concessões em agricultura, colocam agora uma proposta inaceitável em serviços para desviar a atenção", reagiu um delegado brasileiro. Em sua primeira intervenção no Comitê de Negociações Comerciais (CNC), órgão que preside a Rodada Doha, Lamy insistiu que a conferência ministerial de dezembro, em Hong Kong, deve fechar dois terços da Rodada Doha. Do contrário, as perspectivas de fim da rodada em 2006 estarão "gravemente comprometidas". Lamy conclamou os países a manterem alto grau de ambição, e se concentrarem em questões-chave, que causam dificuldades nas negociações agrícola e de produtos industriais. Em agricultura, destacou a "urgente necessidade" de obter acordo em Hong Kong sobre a data para eliminar subsídios à exportação, além de "claro entendimento" sobre compromissos de redução de subsídios domésticos. Em acesso ao mercado (corte de tarifas), o pacote deve ser "sólido, com ambição equivalente". O que significa uma fórmula para cortar tarifas com " flexibilidades", em particular a seleção e o tratamento a produtos sensíveis e ditos especiais - justamente carne, arroz, açúcar e outros, de interesse exportador do Brasil, para os quais os protecionistas querem continuar mantendo barreiras importantes. Lamy conclamou EUA e UE a chegarem logo a acordo para desbloquear a negociação agrícola. "É preciso que os dois fixem alguns parâmetros, para os EUA, definirem posição nos subsídios internos, e a UE nas tarifas. Isso deve ser delimitado pelo acordo agrícola de julho de 2004." Outra questão a ser definida nos próximos três meses é a redução dos subsídios ao algodão, exigida pelos países africanos, pelo Brasil e outros exportadores, mas que continua enfrentando a resistência dos EUA. Na negociação industrial, o novo diretor quer se concentrar na fórmula de redução tarifária, flexibilidades para alguns produtos terem cortes menores, além de tratar de erosão de preferência, acordos setoriais e barreiras não-tarifárias. Em conversas informais, onde os negociadores dizem o que pensam, praticamente ninguém aposta em acordo substancial em dezembro sobre o corte de tarifas e subsídios agrícolas e industriais. Mas todos acham que algo vai sair, para evitar o ambiente de fiasco.