Título: Exigências da UE desafiam sistema brasileiro
Autor: Maria Helena Tachinardi
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2005, Valor Especial / RASTREABILIDADE, p. F4

Carne Bovina Autoridades apontam falhas no Sisbov e alertam para a necessidade de maior confiabilidade de dados

O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina e o principal fornecedor para a União Européia (UE). O bloco europeu é também o consumidor mais exigente da carne brasileira, e foi um dos primeiros importadores a suspender as compras de três Estados - Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo - depois da descoberta do foco de febre aftosa em Eldorado (MS), no dia 9 de outubro. Foi justamente por causa do surto de febre aftosa e da ocorrência da doença da vaca louca na Europa, no final da década passada e começo desta, que a rigidez européia nos padrões de segurança aumentou. Em 2000, a UE tornou obrigatórios a rotulagem da carne vendida aos consumidores e a identificação e registro de animais vivos. A Direção Geral da Saúde e Proteção dos Consumidores (DG SANCO) da Comissão Européia estipulou prazos para o Brasil e outros fornecedores de carne bovina implantarem a rastreabilidade. Pelas normas do bloco europeu, desde 2 de janeiro de 2002, os países-membros só podem transacionar carne se esta possuir selo de rastreamento. Somente os sistemas de rastreabilidade permitiriam garantir a segurança alimentar, que é o acesso da população a alimentos nutritivos e saudáveis, e a segurança dos alimentos contra riscos à saúde humana. Associada às novas leis contra o bioterrorismo, a rastreabilidade tornou-se uma ferramenta imprescindível na conquista e fidelização dos consumidores. Preocupado em manter as vendas brasileiras para o mercado europeu, o governo instituiu, em janeiro de 2002, o sistema de rastreabilidade conhecido como Sisbov - Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina. O Sisbov exige que os animais, cuja carne é exportada para a UE, sejam identificados e os dados registrados na Base Nacional de Dados (BND) do sistema, onde devem permanecer por um período mínimo de 40 dias. O Sisbov define o conjunto de ações, medidas e procedimentos adotados para caracterizar a origem, o estado sanitário, a produção e a produtividade da pecuária nacional, e para garantir a segurança dos alimentos de origem bovina e bubalina. O sistema identifica, registra e monitora, individualmente, os animais nascidos no Brasil ou importados. As propriedades rurais, frigoríficos e as entidades credenciadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) como certificadoras são registrados no Sisbov, que emite certificação de origem, controla o trânsito interno e externo, os programas sanitários e os sistemas produtivos. A identificação acontece por meio de marcação permanente no corpo do animal ou a aplicação de dispositivos internos ou externos. Para identificar os animais usam-se marcas a ferro, tatuagens ou brincos de plástico contendo um número e/ou código de barras. Também são usados meios eletrônicos, como os transponders, circuitos ressonantes constituídos por um microchip e uma antena. Podem ter várias formas externas, como anéis, brincos e colares. Todos esses procedimentos devem ser aprovados pela Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do Ministério da Agricultura. Um documento de identificação individual acompanha o animal durante toda sua vida, registrando as movimentações ocorridas. O Sisbov exige 40 dias de permanência do animal na base do BND e 40 dias de permanência na última propriedade antes do abate. Os animais que foram transferidos entre propriedades devem ter essa movimentação comunicada à certificadora, que fará o envio desses dados ao Sisbov. Também são necessários 90 dias de permanência do animal na zona habilitada antes do abate, caso o mesmo tenha vindo já rastreado de uma zona não habilitada para exportação à UE. Esse controle é feito nos municípios das fazendas pelas quais o animal transitou. Inicialmente, a adesão ao Sisbov foi voluntária, exceto para os produtores que exportavam para a UE, que tiveram prazo até julho de 2002 para entrar no sistema. Até dezembro de 2003, a adesão ao Sisbov passou a valer para todos os outros mercados importadores. A partir de dezembro de 2007, todo produtor deverá estar cadastrado no Sisbov. Embora a exigência de rastreabilidade no Brasil seja parcial e com implantação progressiva até 2007, as autoridades européias vêm apontando falhas no Sisbov e alertando para a necessidade de aumento da confiabilidade dos dados validados no BND. Cerca de um mês antes do surgimento do foco de febre aftosa em Eldorado, uma missão de Bruxelas esteve no Brasil levantando informações sobre a produção pecuária, o programa de vacinação contra a aftosa e o funcionamento geral do Sisbov. Os técnicos europeus disseram estar preocupados com a continuidade dos avanços do sistema de rastreamento e certificação. Essa preocupação vem sendo comunicada às autoridades brasileiras em missões técnicas européias que periodicamente visitam o Brasil. O Valor teve acesso a relatórios da DG SANCO, como o de agosto de 2004, em que as autoridades européias criticam o sistema de marcação a quente, alegando dificuldade ou impossibilidade de leitura da marca, diferentes propriedades do mesmo dono usando a mesma marca e falta de registro da marca em nível das LCA (unidades veterinárias locais). A justificativa da SDA foi que a exigência da rastreabilidade no Brasil é parcial e sua implantação é progressiva até 2007. Após a visita de uma missão européia de abril a maio de 2004, o chefe da Divisão de Controle do Comércio Internacional (DCI) e do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura reconheceu algumas deficiências e recomendou correções imediatas ou em curto prazo. Entre elas, constam: ausência de uma separação efetiva entre carnes a serem exportadas para a UE e outras carnes com destinação diferente; carcaças cujas carnes seriam exportadas para o bloco europeu se encontravam na mesma câmara de resfriamento e mantinham contato com outras carcaças, embora estivessem em trilhos diferentes; deficiências de manutenção nas áreas de estocagem de produtos embalados, corredores e em algumas câmaras de resfriamento, formação de gelo na área de estocagem de congelados, além de deficiências menores nas áreas de produção. " Foi verificado que, em alguns casos, a água residual das pias não era propriamente canalizada, as carcaças encostavam nas plataformas, o espaço entre carcaças não era adequado. Quanto à higiene operacional, foram detectados procedimentos de esfola incorretos " . Esse foi o relato do chefe da DCI aos responsáveis pelas SIPAs (Secretarias de Inspeção do Produto Animal).