Título: Brasil recua no corte de tarifas industriais
Autor: Sérgio Leo e Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2005, Especial, p. A12

Relações externas Pressão argentina explica recuo, pois proposta já era aceita pelo setor produtivo do país

Apresentada há poucas semanas como um gesto de boa vontade do governo brasileiro, a proposta de reduzir em 50% as tarifas de importação de produtos industriais foi retirada ontem pelo ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, no acalorado clima de debates da reunião de ministros da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong Kong. Amorim havia sugerido, informalmente, à União Européia e aos Estados Unidos, a redução de tarifas industriais , caso os países ricos concordassem em reduzir significativamente as tarifas que protegem seus produtores agrícolas. "Não tem sentido continuar com essa proposta, se não houve reação positiva dos europeus", argumentou, para o Valor, o secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Mário Mugnaini. O recuo do ministro brasileiro é mais um sinal de endurecimento nas posições dos negociadores reunidos para tentar resolver os impasses na Rodada Doha. Ontem, o ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, liderou um grupo de 11 países, entre eles o Brasil, em uma carta enviada ao diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, cobrando maior abertura dos países ricos e criticando a pressão exercida pelas nações desenvolvidas para redução de tarifas industriais dos países em desenvolvimento. "Quanto vocês estão dispostos a cortar em suas tarifas industriais? Eu corto dois terços", propôs Nath ao comissário europeu, Peter Mandelson, segundo relato feito pelo próprio ministro da conversa entre os dois negociadores. Na carta enviada a Lamy, o grupo exige redução de barreiras, como medidas antidumping aplicadas por países ricos, e cobra diminuição dos chamados picos tarifários, altos impostos aplicados sobre um número limitado de produtos "sensíveis" (como o suco de laranja do Brasil). "Eu não quero exportar Boeing ou Airbus, meu problema são os tecidos e produtos de couro, taxados com tarifas proibitivas", queixou-se o ministro indiano. Ele disse ser indispensável que se fixe regras precisas para tratamento diferenciado aos países em desenvolvimento. Nath, Amorim e outros representantes do G-20 rejeitaram, porém, estabelecer, agora, uma política comum nessa área, onde alguns países têm posições mais liberais que outros. Todos concordam que as demandas européias e americanas por mais abertura são, como define a carta redigida por Nath, "desproporcionais" em relação à disposição dos países ricos em abrir seus próprios mercados de produtos agrícolas. A reação negativa de sócios do Brasil no Mercosul, especialmente a Argentina, teve papel importante na decisão da diplomacia brasileira de arquivar a proposta de cortar pela metade as tarifas industriais em troca de maior abertura agrícola nos mercados desenvolvidos. Amorim havia indicado que aceitaria, como sinal de boa vontade e para estimular abertura dos mercados agrícolas europeus, aplicar sobre as tarifas de importação industriais brasileiras a chamada fórmula suíça, complicada fórmula de corte de tarifas que reduz mais fortemente as alíquotas mais altas de importação. Amorim chegou a falar em adotar, se houvesse avanço nos debates, a fórmula suíça com coeficiente 30, para reduzir as tarifas no país, o que significaria cortar mais fortemente as tarifas acima de 30%. Os europeus falam em coeficiente 10, que atinge mais fortemente um número maior de produtos. Na complexa discussão sobre o tema, as sugestões de Amorim não passaram pelo crivo oficial da Camex, que decide esses assuntos. Mas já tinham sido aceitas oficialmente pela indústria brasileira. Com o recuo do ministro, o Brasil reafirmou seu compromisso com uma proposta anterior, apresentada formalmente pelo país, Argentina e Índia, que prevê uma regra mais flexível, capaz de permitir a manutenção de algumas tarifas mais altas. A chamada proposta ABI (iniciais dos três países) prevê cortes na média das tarifas registradas por cada país na OMC, em lugar de aplicar cortes a cada tarifa, individualmente. Assim, um país poderia manter tarifas altas, e compensar baixando outras. Ontem, Mandelson deixou claro que espera uma oferta formal do Brasil para queda de barreiras no comércio de bens industriais. "A oferta do Brasil que está na mesa é a ABI, o país não colocou na mesa outra oferta", queixou-se. Vários negociadores, mesmo em países em desenvolvimento, consideram a fórmula ABI impraticável, por prejudicar os países emergentes que têm tarifas mais baixas.