Título: Torcida em clima de decisão
Autor: Roberto Luis Troster
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2004, Opinião, p. A12

Quanto mais baixas forem as taxas de juros, melhor para todos

Hoje é dia de decisão. A antecipação, e depois os comentários, sobre o veredicto da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) lembram uma final de campeonato de futebol pela intensidade da cobertura e pela enxurrada de críticas e elogios ao resultado. Entretanto, no caso dos juros, predomina a cegueira na análise, que foca apenas a taxa Selic dos próximos 30 dias, em detrimento de outros aspectos importantes. É fato, quanto mais baixas forem as taxas de juros, melhor para todos. Com juros mais baixos, a sociedade brasileira como um todo ganha, pois há mais consumo, mais investimento, mais emprego etc. Os bancos também são beneficiados com uma maior demanda de crédito e de serviços. É tão óbvio quanto dizer que ganhar, no esporte, é melhor do que empatar ou perder. O desejo de ganhar e de baixar os juros é unânime. Mas, se é assim, porque o Copom é reticente em baixar os juros rapidamente? É oportuno lembrar que a taxa de juros é o preço de troca entre dinheiro do presente pelo do futuro; se o preço for muito alto, haverá um excesso de oferta de dinheiro (leia-se recessão no presente), e se for muito baixo, haverá um excesso de demanda (leia-se pressões de inflação, bolhas de crescimento e desempenho medíocre no futuro). Na posologia, a dosagem certa na determinação das taxas, está a chave do sucesso ou fracasso da política monetária. As taxas de juros equilibram as poupanças dos setores privado e público com os investimentos e a demanda de crédito. Para cada nível da taxa de juros há um equilíbrio diferente, alguns mais desejáveis que outros. A análise deve focar na consistência dinâmica da política monetária, pois algumas trajetórias de juros não são sustentáveis e conduzem a economia a desempenhos fracos e crises. Uma trajetória muito alta de juros pressiona a dívida pública tornando sua dinâmica insustentável: uma projeção de aumento da dívida pública acima do crescimento do PIB exige prêmios de risco maiores e, ao gerar um círculo vicioso de juros cada vez mais altos, em alguns casos especiais, pode-se ter mais inflação, ao invés de menos, com juros exageradamente elevados. No outro extremo, uma evolução de taxas muito baixa propicia uma bolha de crescimento a curto prazo, mas num segundo momento, gera inflação e a necessidade de juros reais mais elevados criando uma dinâmica perversa. O caminho desejável para a autoridade monetária é estreito, em que os erros são punidos com um desenvolvimento econômico perdido, mas o acerto contribui para um crescimento consistente e sem sobressaltos. A taxa a ser definida hoje é a taxa Selic, para operações de um dia com títulos públicos, portanto, de curtíssimo prazo. Atenção: nesse prazo, o patamar das taxas é um fenômeno monetário, sob o controle do BC, enquanto que a médio e a longo prazo é um fenômeno real, em que a influência da autoridade monetária é tênue e indireta apenas. Esse nível é determinado pelas expectativas dos agentes, por aspectos reais e pela dinâmica da dívida pública. Há situações especiais, em que uma alta da Selic pode até baixar algumas taxas. Historicamente, a maior restrição à política monetária e ao crescimento do crédito no Brasil é o desequilíbrio fiscal crônico. Enquanto em 1994, a dívida pública era equivalente a cerca de quatro quintos do total de crédito bancário, atualmente, supera o dobro, pressionando os juros para o restante da sociedade. Nesse sentido, é correto acompanhar uma análise da política monetária com o desempenho dos indicadores fiscais, pois um endividamento excessivo do governo encarece o crédito para todo o restante da sociedade.

A antecipação e os comentários sobre o veredicto da reunião do Copom lembram uma final de campeonato

É pertinente acompanhar todo o espectro de juros, pois a taxa Selic tem uso restrito às operações entre bancos e o BC. E o conjunto de taxas relevantes para a economia é mais amplo e inclui prazos variados e outros instrumentos, entre os quais abundam taxas diferenciadas dependendo do tomador de recursos, do prazo, das garantias etc. Na análise do conjunto de taxas é necessária a incorporação da tributação, da política bancária e do quadro institucional e legal, pois são fatores que pressionam as taxas finais. Mudanças na tributação, redução dos compulsórios, aprimoramentos na legislação e investimentos na eficiência do Judiciário contribuiriam para baixar o espectro de juros. Além da definição da Selic, o BC, na condução da política monetária, tem um papel importante em coordenar expectativas, antecipando as trajetórias futuras de preços e juros. Contribui dessa forma para dar mais previsibilidade, menos volatilidade às oscilações nos preços dos ativos e melhores fundamentos para decisões de investimento. O Brasil voltou a crescer desde fins de 2003. O PIB deve aumentar em 4,5% este ano, surpreendendo os analistas de forma positiva. Um dos fatores responsáveis é a queda do espectro de juros dos últimos 20 meses que impulsionou a oferta de crédito, que está se expandindo a uma taxa real, descontada a inflação, acima de 10% ao ano. É um desempenho digno de comemoração, mas é pouco para um país com ambições de manter o atual ritmo de crescimento sustentadamente nos próximos anos. Baixar as taxas de juros, especialmente as taxas de crédito de prazos longos, é a palavra de ordem. É premente crédito livre abundante, a custo baixo e com prazos longos para satisfazer a nossa ambição de crescimento. Para tanto, é imperativo avanços consistentes em todas as frentes que pressionam os juros. A análise da política monetária deve focar não apenas na taxa a ser definida hoje, e sim no comportamento de todo o espectro de juros e sua evolução no futuro. A análise deve incorporar, além das variáveis estritamente monetárias, indicadores fiscais, consistência dinâmica da dívida, variáveis legais e institucionais de operações de crédito, política bancária e o arcabouço tributário. Acima de tudo, ter presente que a política monetária é apenas um instrumento para o desenvolvimento da nação, nada mais que um instrumento. Uma análise da nossa mídia mostraria que o futebol e os juros são focos de atração nacional. Nelson Rodrigues escreveu: "Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola". Em economia, o pior cego é o que só vê um único número.