Título: Baixo investimento adia meta de universalização
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2006, Brasil, p. A4

Saneamento Serviço para toda a população só será viabilizado em 2037

A universalização dos serviços de saneamento básico no Brasil vai demorar bem mais do que imaginou o governo federal ao elaborar o Plano Plurianual 2004-2007. Se fosse possível cumprir a meta do PPA, o atendimento de 100% da população seria atingido em 2024. O problema é que isso exige um fluxo de investimentos muito além do que o país tem mostrado capacidade de gerar, reconhece a Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe). No cenário tido como mais provável pela entidade, a universalização só viria em 2037. Atualizando cifras de um estudo concluído em 2003 pelo governo, a Aesbe concluiu que, se pudesse ser feita em 20 anos, a universalização custaria cerca de R$ 220 bilhões a preços de 2005. Num cenário sem inflação, a média anual exigida seria de R$ 11 bilhões. "Em 2005, com sorte talvez tenhamos chegado a R$ 4 bilhões", diz Marcos Thadeu Abicalil, assessor técnico da Aesbe. Já considerado otimista, o cenário tido como mais provável pressupõe que o volume anual investido vai chegar este ano a 0,24% do Produto Interno Bruto (PIB) - cerca de R$ 4,5 bilhões - , e atingirá 0,25% em 2007. A partir daí, a premissa é que se manteria como proporção do PIB, que cresceria, em termos reais, 2,5% ao ano, até 2037. Embora possível, esse nível de investimento já supera o que vem sendo efetivamente conseguido. Abicalil lembra que, na média, o desembolso efetivo de recursos para investimento ficou em torno de 0,18% do PIB ao ano de 2001 a 2004. Os números de 2005 ainda não foram consolidados, mas certamente foram melhores, por causa do aumento das contratações de crédito junto ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) nos dois anos anteriores. A Aesbe estima que o setor investiu 0,22% do PIB no ano passado, incluindo recursos fiscais, próprios e de financiamento. Para 2006, se tudo sair como previsto, serão investidos 0,24% do PIB. Nas contas da Aesbe, atingir a meta de universalização em 2024 exige um cenário improvável, tanto de crescimento econômico quanto de aumento dos investimentos em saneamento básico. O investimento teria que aumentar continuamente 9% ao ano em termos reais (sobre uma inflação igual ao deflator do PIB) a partir do ano que vem. Isso partindo de um patamar de 0,30% do PIB em 2006, o que é considerado muito difícil. Segundo Abicalil, o nível de 0,30% do PIB é o que se conseguiria se o país pudesse aplicar todo o recurso disponível para crédito ao setor. A questão é que, mesmo tendo dinheiro "carimbado" para saneamento, o FGTS não consegue aplicar tudo por causa das regras de contingenciamento de crédito ao setor público, que atingem Estados, municípios e as respectivas empresas e autarquias prestadoras dos serviços. Quanto ao crescimento econômico, a universalização em 2024 exige taxa real de 4,25% ao ano, todos os anos, partir de 2008, o que não é razoável de se esperar, na avaliação da Aesbe. Abicalil diz que a hipótese de 2,5% ao ano, usada no cenário provável, é mais plausível, porque essa foi a taxa média do crescimento brasileiro nos últimos 20 anos. Tanto no cenário provável (2037), quanto no cenário requerido pela meta do PPA, Abicalil usou, para 2006 e 2007, as mesmas taxas de crescimento pressupostas pelo governo na elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) - respectivamente, 4,5% e 5% -, o que já é um cálculo otimista, na opinião dele. Para 2005, a premissa é um crescimento real de 3%. O assessor da Aesbe também fez projeções usando como premissa crescimento econômico de 3,5% ao ano, combinado com taxa de investimento constante em 0,30% do PIB ao ano. Neste cenário intermediário, os serviços de água e esgoto só chegariam a 100% da população em 2030, também com atraso em relação ao que prevê o PPA. Embora menos distante, a hipótese também é considerada difícil, se não houver aumento real da receita de tarifas das empresas prestadoras ou elevação dos recursos fiscais aplicados no setor. Atualmente, as companhias estaduais, que respondem pelo atendimento de maior parcela da população, já comprometem 41, 4% de seu faturamento (sem subvenções) com despesas de capital. O percentual corresponde ao que elas gastam com investimentos novos (17,8%) e com a amortização de investimentos antigos, que foram financiados (23,6%). A Aesbe reconhece que as companhias estaduais precisam e podem ser mais eficientes. Embora venham caindo, as perdas de água, por exemplo, ainda são altas, chegando, em média, a 39% no país. Se fossem mais eficientes nesse e em outros indicadores, as companhias aumentariam a capacidade de endividamento, o que abriria espaço para elevação de investimentos, na existência de mais crédito. O aumento de eficiência, porém, não gerará aumento suficiente de investimentos, alerta Abicalil. No limite, diz ele, as despesas de capital podem chegar a 60% do faturamento da estaduais, o que é pouco diante das necessidades do setor. No cenário provável, este teto seria atingido em 2015, e no intermediário, em 2010. Já no cenário requerido para universalização em 2024, isso teria que ser conseguido já em 2007, " o que é impossível", afirma o assessor.