Título: Auditoria vê farra de gastos
Autor: Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 14/05/2010, Cidades, p. 26

Dois relatórios de auditorias internas da Câmara revelam indícios de fraudes e abusos no uso de recursos para compra de materiais ou contratação de serviços. Regulamentação tenta evitar irregularidades

Dois relatórios de auditoria interna da Câmara Legislativa registram em detalhes uma série de irregularidades, algumas suspeitas de fraudes e vários casos considerados abusivos no uso do chamado suprimento de fundos. Esse expediente, regulamentado na última quarta-feira em ato da Mesa Diretora da Casa, permite que quantias de até R$ 8 mil sejam repassadas diretamente para servidores de carreira a uma conta corporativa para a compra de materiais e contratação de serviço em caráter de urgência, de natureza esporádica e inesperada. Mas o que se relata nos documentos a que o Correio teve acesso é o exagero e até mesmo a má-fé no uso de uma facilidade com previsão na lei.

A falta de critérios para a utilização do suprimento de fundo gerou distorções detectadas por, pelo menos, duas auditorias realizadas pela Assessoria Especial de Fiscalização e Controle, órgão técnico da Câmara Legislativa especializado em investigar a rotina financeira da Casa. A auditoria de 2008 é a última concluída pela unidade, que ainda está elaborando o relatório referente ao período de 2009. O documento, finalizado no ano passado, expõe casos como o de três processos de compra de ferramentas e materiais de construção na empresa Ferragens Ferrocenter. A primeira no valor de R$ 5.753,00, a segunda de R$ 6.115,00 e uma terceira conta de R$ 3.515,00.

Para os auditores da Câmara, a compra repetida de objetos do mesmo estabelecimento sem a devida comprovação da necessidade da despesa é indício de fraude. Da forma como a administração da CLDF vem tratando o instituto do suprimento de fundo, constata-se a ocorrência da irregularidade de fracionamento de despesa para aquisição por meio do suprimento de fundos, com fuga ao procedimento licitatório cabível, diz o documento. Para em seguida informar que o método não é novidade: Situação bastante parecida com a do exercício de 2007, quando foram adquiridos diversos materiais de construção por vários processos separados. De acordo com a Unidade de Auditoria Interna, os materiais comprados não foram registrados para fins de conhecimento e definição de estoque mínimo.

Em outra situação foi pedida a aquisição de materiais audiovisuais, no valor de R$ 1.980,00, sob o argumento de que a licitação para a compra dos objetos estaria atrasada. Mas, segundo identificaram técnicos da Unidade de Auditoria Interna, não foi constatada nenhuma aquisição ou tentativa de aquisição de materiais audiovisuais mediante licitação no exercício de 2008. Além disso, constatou-se que em março de 2009 há novamente movimentação de processo de compra desses materiais. Da mesma forma, essa aquisição não foi antecedida de uma consulta ao Setor de Almoxarifado para pesquisar se não havia em estoque o material solicitado.

Arrepio Outro flagrante do desvirtuamento no uso do suprimento de fundos é a contratação de serviços por meio do recurso de natureza esporádica e inesperada para casos perfeitamente previsíveis, como a manutenção de máquinas de ar-condicionado e de café, que são despesas recorrentes na Casa e que, por isso, deveriam ter a cobertura de contratos administrativos. Até mesmo a compra de materiais hospitalares e de uso médico foi realizada com o suprimento de fundos, o que, de acordo com os auditores, ocorreu ao arrepio da Lei de Licitações.

O exemplo mais visível da distorção do suprimento de fundos é a compra e colocação de um toldo de proteção, instalado perto da entrada principal da Câmara Legislativa. O local, onde há um jardim e que funciona como o fumódromo da Casa, foi montado às custas da verba para despesas miúdas e imprevisíveis. Esse um dos casos mais graves do uso indevido do suprimento de fundos, porque não há como explicar que não coubesse planejamento e contratação de licitação para tomar providências como a de colocar um toldo de proteção, considerou Rosendo Ferreira Pinto, funcionário de carreira da Segunda Secretaria da Câmara, órgão responsável pela gestão orçamentária da Casa.

Além do limite

R$ 8 mil Valor máximo que cada processo de suprimento de fundos deve ter para que seja respeitada a lei de licitações

R$ 65 mil Quantia utilizada em um único processo de 2008, detectada por auditoria interna feita na Câmara Legislativa

Não há como explicar que não coubesse planejamento e contratação de licitação para tomar providências como a de colocar um toldo de proteção Rosendo Ferreira Pinto, funcionário da Segunda Secretaria da Câmara

Normas para evitar excessos

Até a publicação, nesta semana, do Ato da Mesa Diretora regulamentando o uso do suprimento de fundos, uma das poucas regras objetivas para a utilização desse recurso era o teto de R$ 8 mil para a compra ou contratação de serviços. A quantia corresponde a 10% de R$ 80 mil, valor utilizado em licitações para compras e serviços na modalidade carta-convite, como prevê a Lei Federal nº 8.666/93. Portanto, na lista de suprimento de fundos de 2008, que consta na auditoria de 2009, o valor de R$ 65 mil chama a atenção. Ele é oito vezes maior do que o limite imposto pela legislação.

A quantia foi destinada a pagar parte da premiação do Festival de Cinema de Brasília(1). A verba foi depositada em conta especial a que um servidor teve acesso, e depois repassada aos agraciados. É para evitar situações como essa que disciplinamos as regras para o suprimento de fundos, justifica o procurador-geral da Câmara Legislativa, Fernando Nazaré.

O procurador explica que a decisão de reunir no ato as normas espalhadas em decretos locais e federais para regulamentar o suprimento de fundo da Câmara Legislativa foi uma iniciativa dos técnicos da Casa. Nazaré é do quadro de servidores efetivos e sustenta que a medida foi tomada no sentido de restringir o uso inadequado do expediente. O ato publicado no Diário da Câmara da última quarta-feira foi tema de reportagem publicada na edição de ontem do Correio.

O documento prevê várias situações que justificariam a pulverização dos gastos. Por exemplo, nos casos das despesas que exijam pagamento imediato, da contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviço, de viagens de servidores, da compra de material de consumo, combustível, lubrificante, táxi e até de despesas sigilosas, secretas e de natureza reservada. Esse item chama a atenção por abrir brechas para a utilização equivocada dos recursos públicos.

Fernando Nazaré afirma, no entanto, que a permissão só se dará por meio de uma autorização prévia, que será regulamentada pela Mesa Diretora e fiscalizada por órgãos de controle. Quando houver a liberação desse tipo de verba, garante, o servidor terá de especificar os gastos para o Tribunal de Contas do Distrito Federal. Além disso, o procurador informa que, no caso dos pagamentos sigilosos, o cheque para o pagamento do suprimento é nominal. É um dinheiro que se destina a ações da polícia legislativa ou mesmo de integrantes de CPIs em curso na Câmara, mas apesar de ter esse nome de sigiloso terá de passar por fiscalização como qualquer outra despesa, afirma Nazaré.

1 - R$ 150 mil O Troféu Câmara Legislativa foi criado em 1996 para premiar as melhores produções brasilienses exibidas no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O Legislativo repassa dinheiro diretamente aos vencedores (primeiro e segundo lugares), nas categorias longa-metragem, média ou curta-metragem e filme digital. No ano passado, os deputados aprovaram um aumento no valor das premiações, chegando a um total de R$ 150 mil.