Título: País vai gastar 7% do PIB para pagar juro em 2006, mesmo com queda da Selic
Autor: Juliano Basile e Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Especial, p. A12

O Brasil gastou em 2005 o equivalente a 8,13% do Produto Interno Bruto (PIB) com o pagamento de juros, um número próximo à soma do que o setor público destina anualmente para educação e saúde. Com a expectativa de queda dos juros básicos e de maior crescimento, as despesas financeiras do governo devem cair um pouco neste ano, fechando 2006 na casa de 7% a 7,5% do PIB, ainda assim um número elevado. Numa lista de 108 países, o Brasil foi o quarto que mais gastou dinheiro com o pagamento de juros como proporção do PIB em 2005, atrás apenas da Jamaica (13%), Líbano (12,5%) e Turquia (12%), de acordo com estimativas da agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P). Para analistas, as despesas financeiras no Brasil são elevadas em decorrência da dívida pública - muito alta, de curto prazo e com perfil inadequado - e do excesso de conservadorismo do Banco Central (BC). Em 2005, a taxa Selic média ficou em 19,1%, bem acima dos 16,4% de 2004. O economista-chefe do Pátria Banco de Negócios, Luís Fernando Lopes, diz que a estratégia de derrubar a inflação muito velozmente em 2005 teve um custo elevado, que se traduziu em menos crescimento e em mais despesas financeiras. Em termos reais (descontada a inflação), a taxa média ficou em 12,7% em 2005. Como resultado, a carga de juros nominais totalizou R$ 157,145 bilhões em 2005, 24,2 vezes mais que os R$ 6,5 bilhões destinados ao programa social Bolsa-Família. Em 2006, o Brasil deve gastar menos com encargos da dívida em relação ao PIB porque a Selic será mais baixa e o crescimento deverá ser um pouco mais forte. O chefe de pesquisa para a América Latina do WestLB, Ricardo Amorim, acredita que a taxa básica média será de 16%, atingindo 14,5% no fim do ano. O PIB, por sua vez, deve crescer 3,5%, avalia, mais que os 2% a 2,5% esperados para 2005. Se esse cenário se confirmar, a carga de juros vai terminar o ano em 6,9% do PIB, prevê Amorim. Mesmo assim, é um número que ainda vai deixar o Brasil como um dos líderes do ranking de pagamento de encargos financeiros, próximo dos 7% da Índia. Um dos problemas é que a dívida líquida brasileira, de 51,6% do PIB, ainda é alta para um país emergente, diz Lopes. O Chile, por exemplo, tem uma dívida líquida de apenas 15% do PIB. Com endividamento baixo e juro real na casa de 1%, o país gasta apenas 1% do PIB com despesas financeiras, o mesmo que China e Rússia. "Uma carga de juros de 8% do PIB é absurda", resume o vice-presidente de mercados emergentes do banco JP Morgan, Dráusio Giacomelli. Ele ressalta que, além da política monetária apertada e do tamanho da dívida, outro problema grave é o perfil do endividamento. O prazo médio da dívida interna do governo federal é de apenas 27,4 meses. Para piorar, cerca de metade dos papéis é corrigida pela Selic, sofrendo o impacto das flutuações dos juros básicos. Giacomelli cita o exemplo da Colômbia para mostrar como uma melhor composição faz diferença. A dívida colombiana é de 47% do PIB - tamanho próximo ao da brasileira -, mas 70% dos títulos são prefixados. No Brasil, apenas 28% são prefixados. Isso ajuda a explicar por que a Colômbia gasta 5% do PIB com juros - um número alto, mas bem abaixo dos 8% do Brasil. "A troca da dívida pós-fixada pela prefixada poderia ter sido mais rápida nos últimos anos, num momento em que o cenário externo foi muito favorável para países emergentes", diz ele. Para Giacomelli, a carga de juros deve ficar em 7,5% do PIB neste ano. Amorim lembra outro ponto que deve impedir uma redução mais forte dos gastos com juros: a estratégia agressiva do governo de diminuir o endividamento externo do país. Com ela, o Brasil fica menos vulnerável a crises internacionais, mas troca uma dívida mais barata (a externa) por uma mais cara (a interna). O economista do WestLB diz ainda que a decisão do governo de acelerar os gastos públicos também atrapalha uma queda mais forte da carga de juros em 2006. Para ele, se o país optasse por mais aperto fiscal, baseado em corte de despesas, haveria mais espaço para redução dos juros. Nesse quadro, a tendência é que o Brasil continue a destinar por mais alguns anos parcela maior do orçamento para pagar juros do que para educação e saúde. Para comparar, o setor público investe cerca de 4,5% do PIB em educação, segundo números da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). As despesas com saúde estão na casa 3,5% do PIB.