Título: Fazenda quer rever critérios para conter pressão setorial
Autor: Juliano Basile e Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Especial, p. A12

Conjuntura Mudanças estimulariam concorrência em segmentos sensíveis

O Ministério da Fazenda defende uma mudança nos critérios de reajustes de setores que podem pressionar a inflação. Preocupada com o impacto nas obras em estradas e na construção civil, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) propõe a adoção de normas para estimular a eficiência e reduzir a necessidade de aumento nos preços do cimento, do concreto e do transporte rodoviário. A Seae quer a revisão dos procedimentos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), organismo responsável pelas regras nas áreas de cimento e concreto. Um dos principais problemas está na rigidez das normas para o setor. A ABNT não permite a adição de outras matérias-primas em substituição de parte do cimento no concreto. Isso, segundo a Seae, torna o sistema de produção exageradamente limitado. Todas as cimenteiras têm de usar as mesmas matérias-primas, o que desestimula a competição. Segundo a Seae, os reflexos sobre a concorrência são negativos. Além disso, o processo produtivo atual pode ficar obsoleto por falta de investimento em inovação. Desse modo, os custos das empresas tornam-se homogêneos, o que deixa os preços também parecidos, em prejuízo do consumidor. "A padronização do processo produtivo pode induzir a uma rigidez na cadeia de produção no sentido de impedir a sua reorganização e fragmentação", diz o parecer assinado pelo secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Helcio Tokeshi, e pelo secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Daniel Goldberg. O problema torna-se mais grave diante das acusações de cartelização do setor. As suspeitas de que empresas combinam preços e dividem o mercado levaram a Secretaria de Direito Econômico (SDE) a eleger a construção civil como um dos segmentos prioritários nas investigações sobre cartéis. "O relacionamento entre as cimenteiras e os demais segmentos da indústria da construção civil no Brasil tem sido marcado por denúncias de condutas anticoncorrenciais e por desavenças sobre a responsabilidade dos problemas de qualidade apresentados por produtos derivados do cimento", diz o documento. As autoridades de defesa da concorrência do governo concluem que, num mercado concentrado, as empresas não têm incentivos para repassar adiante possíveis reduções de custos decorrentes de diminuições nos preços das matérias-primas. A Seae também defende a revisão dos critérios de reajustes das passagens de ônibus interestaduais e internacionais. Segundo análise técnica, as regras da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) podem favorecer a alta da inflação. A Seae propõe que, os vários índices usados no cálculo dos reajustes deveriam ser substituídos por um único indicador de varejo, "preferencialmente o IPCA". Além disso, teria de ser aplicado um fator de desconto (fator X) para incentivar ganhos de produtividade. Outra recomendação de curto prazo apresentada pela Seae é a substituição do índice "ANP-diesel" pelo "IPA-DI óleo diesel". A Seae argumenta que o índice utilizado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para a variação do preço do diesel, apesar de recente, já teve interrupção na sua coleta e sua metodologia também foi alterada. Portanto, "não se constitui em indicador recomendável". As medidas de médio prazo sugeridas pela Seae para o transporte rodoviário pretendem evitar o uso de valores médios parar todas as empresas - o que favorece a ineficiência -, e a consideração de hipóteses sobre o comportamento do mercado. A secretaria também entende que o futuro da regulação desse mercado (transporte rodoviário) deveria incentivar a geração de "receitas acessórias". Isso significa permitir que as empresas concessionárias fiquem com uma parte maior dessas receitas, na medida em que seja menor o reajuste de tarifas solicitado. A análise técnica da Seae cita que, nas normas atuais da ANTT, há um redutor de 1,16% relativo ao transporte de encomendas. Mas o estudo informa que, segundo entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU), o modelo atual desconsidera as receitas de projetos associados, como redes de restaurantes e lanchonetes, postos de serviço e hotéis. Outra conseqüência grave é que Estados e municípios podem aplicar os critérios da ANTT nos reajustes de passagens de ônibus locais. As tarifas municipais de ônibus foram o fator principal para a elevação da inflação, entre os preços monitorados pelo governo no ano passado. "O efeito do reajuste da ANTT é brutal para o consumidor", disse Tokeshi. O risco é grande no caso dos ônibus interestaduais e internacionais. Dos 182 milhões de passageiros que se deslocam todos os anos no país, 96% usam ônibus. A aviação representa só 3% desse mercado e os carros ficam com 1%.