Título: Os gastos primários do governo seguem em alta
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2006, Opinião, p. A8

Os gastos primários do governo federal não param de crescer. Em 2005, aumentaram 16,3% em termos nominais. Descontada a inflação, o crescimento real foi de 10,1%. Como há mais de uma década acontece no Brasil, a elevação dos gastos públicos superou com sobras a expansão do Produto Interno Bruto (PIB), que, de acordo com a última estimativa do Banco Central (BC), pode ter sido de apenas 2,6% no ano passado. Para se ter uma idéia da enormidade de recursos que o governo retirou da economia para honrar o aumento de despesa, em valores nominais o gasto primário da União, que exclui os juros da dívida pública, cresceu R$ 52 bilhões em 2005. Esse volume de dinheiro equivale a cinco vezes o que o governo destinou a investimentos, por exemplo, em obras de infra-estrutura no último ano. Como percentual do PIB, a despesa primária do governo central pulou de 17,13% em 2004 para 18,21%. Como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) limitou os gastos correntes em 17% do PIB para 2006, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento serão obrigados, em pleno ano eleitoral, a cortar despesas de forma a ajustá-las ao limite legal. Já dá para prever que não haverá corte sem dor. A expansão dos gastos em 2005 não teve um caráter extraordinário, ou seja, não ocorreu em decorrência de fatores fora do controle do governo. Cresceram em decorrência de decisões políticas, o que dificultará ainda mais a tarefa da área econômica de eliminar despesas ao longo deste ano. Em maio do ano passado, o governo reajustou o salário mínimo em 15,38% (6,76% em termos reais). Aquela decisão teve um efeito dominó sobre as contas públicas. Pressionou vários itens da despesa. Os gastos com benefícios assistenciais concedidos a deficientes físicos e idosos, previstos na Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) e Renda Mensal Vitalícia (RMV), aumentaram 23,3%, por exemplo, em 2005. A redução da idade mínima exigida, no caso dos idosos, influenciou o resultado, mas foi forte também o impacto do aumento real dado ao salário mínimo. As despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), responsável pelos recursos do seguro-desemprego e do abono salarial do PIS, também avançaram de forma expressiva - 20,4%. Mais uma vez, o reajuste do salário mínimo pesou na conta. Os desembolsos para o pagamento de aposentadorias cresceram 16,1% em 2005. Como dois terços dos cerca de 23 milhões de aposentados do INSS recebem um salário mínimo por mês, é fácil calcular o impacto daquele reajuste nas contas da Previdência Social. Diante disso, já é possível prever o estrago que o salário mínimo provocará nas contas do governo também em 2006, afinal, o presidente da República, a partir de negociação com as centrais sindicais, decidiu reajustar o mínimo em 16,6% , o que representa ganho real estimado em mais de 12%. A elevação dos gastos primários não é uma obra exclusiva do governo Lula. Nos oito anos da gestão Fernando Henrique Cardoso, essas despesas cresceram, em média, 6% ao ano em termos reais. Na atual administração, de acordo com cálculos do economista Fábio Giambiagi, do IPEA, elas chegaram a cair 4,2% no primeiro ano. A austeridade, no entanto, durou pouco. Em 2004, as despesas aumentaram 7,1% e, no ano seguinte, 10,1%, sempre em termos reais. Apesar da explosão de gastos, o governo vem produzindo superávits primários expressivos em suas contas. Faz isso para cobrir pelo menos uma parcela da despesa com juros da dívida e, assim, manter o Estado solvente diante de seus credores. O resultado dessa equação, no entanto, é o repasse à sociedade de uma conta salgada: o crescimento ininterrupto, ano após ano, da carga tributária. Como não segura as despesas, o governo cobra mais impostos do setor privado para bancar esses gastos e ainda manter o Tesouro em dia com seus credores. Na opinião de Fabio Giambiagi, compartilhada por vários economistas do governo e fora dele, é fundamental que o país enfrente logo essa situação. "Se isso não ocorrer, ou a carga tributária vai atingir 40% do PIB ou a inflação vai voltar. Como a sociedade não quer nenhuma dessas duas coisas, chegou o momento de impedir o crescimento ilimitado dos gastos", disse ele em entrevista recente ao Valor.