Título: Alckmin via sensibilidade social em Médici
Autor: Caio Junqueira
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Especial, p. A14

"Justa seria a providência do 3º Governo Revolucionário em favor dos funcionários civis e militares de todo o Brasil, nos âmbitos federal, estadual e municipal, em mais um ato do ínclito Presidente Médici , que tem se mostrado sensível aos problemas sociais, trabalhistas e previdenciários dos que trabalham para a grandeza do Brasil". Esta carta, datada de 5 de novembro de 1973, tem como destinatário o presidente Emílio Garrastazu Médici e como signatário, o vereador de primeiro mandato do MDB de Pindamonhangaba, Geraldo Alckmin, então com 19 anos, que reivindicava a extensão do décimo-terceiro salário aos servidores públicos. Naquele dia, José Serra estava asilado com sua mulher, sua filha de quatro anos, seu filho de cinco meses e cerca de 600 pessoas dentro da embaixada italiana em Santiago, um dos países em que viveu exilado. Dois meses antes, o golpe militar do Chile que derrubou Salvador Allende, tornou Serra, novamente, um perseguido político. Aposentado compulsoriamente da USP pelo Ato Institucional nº 5, Fernando Henrique Cardoso havia, no mês anterior, prestado depoimento ao Doi-Codi por ser um dos intelectuais do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), órgão considerado na época pelo Serviço Nacional de Inteligência uma "nova frente de propaganda adversa". FHC era considerado pelo regime "fiel súdito de Moscou e Cuba". Lula era secretário de Previdência Social do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Afastado de qualquer movimento de resistência ao regime militar, o ex-governador de São Paulo e candidato do PSDB a presidente da República, Geraldo Alckmin, então com 19 anos e estudante de medicina, presidia a Câmara dos Vereadores de Pindamonhangaba (SP). Ao contrário das personalidades que viriam a ter fundamental papel em sua trajetória política, relacionava-se bem com o regime. O tom simpático e afável do documento encaminhado a Médici, sob cujo governo o Brasil viveu o período de maior repressão, revela a postura de não-enfrentamento à ditadura militar, fato corroborado pelos relatos de colegas de faculdade e políticos que com ele trabalharam em Pindamonhangaba. Para eles, o governador sempre foi discreto e comedido, e essas características se refletiam até no seu modo de atuar politicamente. Era uma pessoa que evitava polemizar. Sua entrada na política deu-se por acaso. Em 1972, no último dia do prazo para filiações nas eleições municipais daquele ano, dirigentes municipais do MDB procuravam jovens inteligentes e com boa aparência para ingressar na legenda. Foram, então, até a Universidade de Taubaté, atrás do estudante Antonio José Betoni. Este, porém, por ser filho de militar e bolsista, temia perder o benefício e declinou. Indicou, entretanto, Alckmin, ou Geraldinho, como é conhecido em Pindamonhangaba, que aceitou, com a ressalva de que precisava consultar seu pai. Como universitário, participou de um cargo secundário no diretório acadêmico, mas nunca se envolveu explicitamente em temas de política nacional. "As posições políticas mais firmes e salientes nunca foram encabeçadas por ele. Não era de fazer oposição aguerrida ao regime. Era um sujeito de centro", afirma o médico sanitarista Marcos Lindhenberg, de quem Alckmin e sua mulher, Lu Alckmin, são padrinhos de casamento. No entanto, afirma que Geraldinho era uma pessoa com quem o grupo podia contar. "Não era um fura-greve." A também sanitarista Mirlei Arantes disse que Geraldinho era um rapaz "simpático, agradável, delicado, bom aluno e que se preocupava em atuar dentro da faculdade auxiliando a turma". Mas que, em relação a política, era indecifrável. "Não dá para dizer se era de esquerda, de centro ou de direita. Talvez fosse de centro. Nunca vi nele nenhum comportamento extremado." A falta do acaloramento político pode até ser explicada pelas citações feitas em seu primeiro discurso como candidato, na campanha para vereador ainda em 1972, em que menciona Georges Clemenceau, primeiro-ministro da França durante a Primeira Guerra: "Quando morrer, quero ser enterrado em pé, com o coração acima do estômago, e com a razão acima do coração". Embora tenha se filiado ao oposicionista MDB, Alckmin provinha de uma família ligada à UDN, antigo partido de raízes urbanas que defendia o liberalismo econômico e denunciava a "infiltração comunista" na vida pública. Descendentes de judeus sefarditas (que viviam na Península Ibérica e fugiram dos inquisidores), um de seus tios fora eleito prefeito de Guaratinguetá pela UDN. Outro tio, que chegou a ser ministro do Supremo Tribunal Federal, José Geraldo Alckmin, era professor de direito da Universidade Mackenzie, na época uns dos principais braços de apoio ao golpe de 1964. O tio André foi vereador de Guaratinguetá duas vezes, também pela UDN. Seu pai, veterinário formado pela USP, era udenista, mas nunca se candidatou a qualquer cargo público. Seu lado materno tem veias empresariais. Seu tetravô, Wihelm Karl era um judeu alemão foragido da revolução de 1848 e que fundou a cervejaria Antartica. Alckmin foi eleito vereador com a maior votação da história de Pindamonhangaba. Exerceu a presidência da Câmara por dois anos e a vice-presidência por mais dois. Quem trabalhou com ele nesse período, diz que sempre evitou entrar em grandes polêmicas. "Era muito fino. Nunca perdia a linha. Evitava o conflito. Era 'maneiro', 'liso'", afirma José Ouverney, vereador na mesma época que Alckmin. Quatro anos depois, com 23 anos, candidata-se a prefeito pelo MDB. Durante a apuração, perdia até a abertura da última urna, cuja abertura deu-lhe a vitória sobre o adversário da Arena por 23,8% dos votos válidos ante 23,4%- uma diferença de 67 votos. Iniciada a gestão em 1977, sempre manteve o perfil da política de boa vizinhança. Relacionava-se bem com as autoridades em nível estadual e federal -ambas de oposição ao seu partido. Cedia espaços da prefeitura para exposições de militares e participava das solenidades oficiais. Foi com um grupo de prefeitos da região encontrar o presidente Ernesto Geisel em Taubaté. Na inauguração da Villares na cidade, recebeu e subiu no palanque com o governador Paulo Maluf e o presidente Figueiredo. Como prefeito, na negociação de obras para sua cidade, mantinha encontros em São Paulo com secretários estaduais malufistas, como Miguel Colassuono, Cunha Bueno, Erasmo Dias, Salim Curiati e Francisco Rossi. Na Assembléia paulista, com o líder do governo Armando Pinheiro. Em Brasília, além da boa relação com os emedebistas históricos, como Franco Montoro e Ulisses Guimarães, era próximo de Roberto Cardoso Alves, o Robertão, ex-arenista convertido ao MDB e autor da folclórica frase da política nacional, "É dando que se recebe". O ex-governador paulista afirma que sempre foi contra a ditadura militar. "Esta foi justamente a razão que me fez entrar para a vida pública, aceitando o convite do MDB para ser candidato a vereador em Pindamonhangaba. Ou seja, sou político porque em plenos 'anos de chumbo' busquei um espaço democrático para combater a ditadura", disse, por e-mail, ao Valor. Sobre o requerimento a Médici, nega ter feito elogios ao presidente. "Foi apenas uma saudação protocolar, perfeitamente cabível em documento enviado por um vereador ao presidente da República." No período em que foi prefeito, Alckmin manteve também boas relações com o empresariado. Tradicionalmente atribuídas ao período em que comandou as privatizações paulistas nos anos 90, já tinha boa circulação com o setor nos anos 70. Beneficiado pelo processo de industrialização iniciado pelo prefeito anterior - que fez saltar Pindamonhangaba do 76º em 1976 para o 36º em 1977 no ranking dos municípios com maior índice de desenvolvimento do país- tratou de adequar a cidade às indústrias que chegavam, em especial a Villares, Alcan, Confap e Coca-Cola. Para tanto, recebia constantemente executivos e dirigentes das empresas que se instalaram no município na época e se empenhava em atender às suas reivindicações. Por exemplo, conseguiu em São Paulo que fosse instalado um Corpo de Bombeiros na cidade, medida que reduziria as taxas de seguros pagas pelas empresas contra incêndios. Também foi em São Paulo que, ao governador Paulo Maluf, pleiteou a construção de 4 km de uma rodovia de acesso à via Dutra próxima a Villares, batizada depois por ele de avenida Luiz Dumont Villares, fundador do grupo. Em Brasília, procurou o ministro dos Transportes Eliseu Rezende para pedir a construção de um viaduto entre a rodovia Luiz Villares e a via Dutra. Em 1980, foi assistir a uma palestra na região do então prefeito arenista de São Paulo e fundador do Banco Itaú, Olavo Setúbal. Já naquela época católico fervoroso -herança de seu pai e avô- costumava ir a Aparecida rezar e assistir a eventos religiosos, como na posse do arcebispo dom Geraldo Renildo, eleito coadjutor da Arquidiocese de Aparecida. Ainda assim, transitava bem entre as religiões. Chegou a receber integrantes da seita Hare Krishna em seu gabinete, interessados em armar uma estrutura na cidade. No final de seu governo foi congratulado pela Igreja Batista local como o melhor prefeito da história de Pindamonhangaba. Foi ainda um prefeito que encaminhou ao Legislativo municipal leis favoráveis ao funcionalismo público. Pelo menos nove projetos em prol da classe foram enviados: concessão de abono aos servidores que não recebiam 13º salário; túmulo perpétuo a funcionários com mais de quinze anos de prefeitura; concessão de 13º salário aos inativos aposentados; instituição de um sistema semestral de aumento salarial; redução do tempo de aposentadoria necessário para os professores municipais. Administrativamente, sua gestão é marcada pela conquista -com o governo Figueiredo- da inclusão da cidade no projeto Cura, cujo objetivo era promover a transformação do espaço urbano por meio de alargamento e pavimentação de ruas, construção de galerias pluviais, praças e arborização. De Pindamonhangaba, Alckmin alçou seu vôo na política e nunca mais deixou de exercer um cargo eletivo. Foi deputado estadual, duas vezes deputado federal, vice-governador, governador e agora candidato à Presidência da República.