Título: Eleição não altera cenário benignopara o Brasil
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2006, Especial/Fórum Econômico Mundial, p. A6

O cenário da economia global em 2006 ainda é bastante positivo para a América Latina, embora haja vários fatores que podem colocar em risco o quadro formado por crescimento mundial significativo e baixa aversão ao risco, como o tamanho do déficit externo dos EUA, o ciclo de aperto monetário no mundo desenvolvido e as dúvidas quanto à sustentabilidade da expansão da China. Segundo analistas como o presidente do JP Morgan International, Andrew Crockett, e o professor Ricardo Haussman, da Universidade de Harvard, que participaram ontem do encontro do Fórum Econômico Global na América Latina, não está no radar de ninguém a eclosão de uma crise grave neste ano. Mas mesmo que haja uma contração na liquidez internacional, o Brasil deve sofrer bem menos do que em 2002, principalmente por causa do forte ajuste das contas externas ocorrido nos últimos dois anos, avaliam eles. As eleições presidenciais no país não preocupam os investidores, porque não se esperam grandes mudanças na orientação da política econômica, situação diferente da de outros países da região, como o Peru. Ex-presidente do Banco de Compensações Internacionais (BIS, o banco central dos bancos centrais), Crockett diz que o déficit em conta corrente americano preocupa devido à sua magnitude, de 7% do PIB, mas ele acha que deve ocorrer um ajuste gradual. Uma desvalorização não abrupta do dólar seria importante para facilitar esse processo, acreditam os analistas, para ajudar a diminuir o buraco nas contas externas americanas. John Williamson, o pai do Consenso de Washington, tem uma visão menos positiva, ainda que não tenha previsto uma ruptura iminente. Ele acha que as exportações dos EUA não vão crescer a um ritmo suficiente para reduzir o déficit externo. "O ajuste é complicado." A maior preocupação de Crockett é com o processo de aperto monetário em curso no mundo desenvolvido. Até mesmo o Japão, que manteve os juros próximos de zero por muito tempo, deve aumentar o custo do dinheiro. Crockett diz que o maior risco é de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) exagere na elevação dos juros para desacelerar a economia americana. Segundo ele, em ciclos de aperto para desaquecer a atividade, é comum que a autoridade monetária passe da conta e só perceba isso depois. Esse risco tende a crescer, num cenário em que o Fed tem um novo presidente (Ben Bernanke) há pouco tempo: para ganhar credibilidade, não se descarta que ele promova uma alta mais forte dos juros. O aumento das taxas nos EUA tenderia a reduzir o fluxo de capitais para mercados emergentes como o Brasil. A boa notícia, de acordo com Crockett, é que o Brasil está mais preparado para enfrentar um cenário como esse. O país tem superávit em suas contas externas, reservas internacionais elevadas e uma posição fiscal bem mais confortável, avalia ele. Com isso, a redução da liquidez internacional afetaria bem menos o país do que ocorria há alguns anos, quando o déficit em conta corrente superava 4% do PIB - atualmente, há um superávit na casa de 2% do PIB. Hausmann também vê o Brasil como bem menos vulnerável a uma mudança no cenário benigno que domina a economia global nos últimos anos. Além do ajuste das contas externas, o país tem como vantagem uma pauta relativamente diversificada de exportações, diz. É difícil uma queda drástica e simultânea dos preços das commodities que o país exporta. O impacto da China sobre a América Latina foi uma fonte de discussão importante. O professor Felipe Larraín Bascuñan, da Universidade Católica do Chile, lembra que o sucesso do país asiático produz efeitos assimétricos sobre a região. Enquanto o México sofre porque os produtos chineses competem com os seus no mercado americano, a maior parte dos países sul-americanos se beneficia do crescimento de 9% da China, que empurra para cima os preços das commodities. Como resumiu Moisés Naím, editor da revista "Foreign Policy", a China é ao mesmo tempo o melhor cliente, mas o pior competidor que se pode ter. Mesmo com os desequilíbrios na economia chinesa, como o tamanho dos créditos podres dos seus bancos, não se aposta numa desaceleração brusca no país. Com isso, ela deve continuar como um dos principais motores da economia global. Hausmann ressalta que uma das alternativas para um equilíbrio mais saudável da economia global é a China dar prioridade ao mercado doméstico e não apenas ao crescimento liderado por exportações. Com isso, o país tenderia a importar mais, o que seria positivo para o resto do mundo. Uma possível fonte de instabilidade para a região são as eleições presidenciais, em que podem ser escolhidos políticos tidos como populistas, como o peruano Ollanta Humala e o mexicano Andrés López Obrador. Para Naím, esse é um fator que pode reduzir os investimentos na região. No caso do Brasil, não há esse temor, porque os dois favoritos - o presidente Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin - são vistos como favoráveis a uma política econômica austera. Crockett, por exemplo, disse que os dois candidatos expressaram compromisso com políticas que contribuíram para a retomada da confiança no país.