Título: Repatriação é aprovada em comissão da Câmara
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2009, Política, p. A7

A proposta que prevê condições benéficas para a repatriação de ativos enviados ilegalmente para fora do país nos últimos anos foi desengavetada ontem na Câmara dos Deputados. Com 16 votos favoráveis e 4 contrários, os deputados que compõem a Comissão de Finanças e Tributação aprovaram o Projeto de Lei nº 5.228, de autoria do deputado José Mentor (PT-SP) no início da tarde. Essa foi a primeira votação a que foi submetida a ideia de criação de uma lei para permitir a legalização de recursos que hoje estão fora do país e que não foram declarados. No fim de agosto, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) reapresentou à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal um projeto de sua autoria que também prevê a repatriação, e que, segundo ele, será votado no início de outubro de forma terminativa - ou seja, não precisará de votação no plenário.

O assunto está em discussão no Congresso Nacional desde 2005, quando José Mentor apresentou seu projeto pela primeira vez. A proposta, no entanto, sofreu resistências do PSDB e do DEM e foi retirada de pauta várias vezes - ainda que a cotação do dólar, cuja média no ano foi de R$ 2,4341, favorecesse a aprovação de uma lei que permitisse a repatriação em condições vantajosas de tributação e conversão de moedas. No fim de 2008, quando o dólar fechou o ano a R$ 2,3370, a ideia surgiu novamente, mas desta vez no Senado: Delcídio Amaral apresentou um projeto de mesmo teor, embora mais complexo. Novamente não houve consenso e a proposta foi engavetada.

Agora, ainda que a moeda americana tenha alcançado seu patamar mais baixo do último ano nesta semana, cotada R$ 1,7980 na terça-feira, a atração de recursos em um período de crise, segundo os dois parlamentares, justifica a retomada da proposta de repatriação. Estima-se que existam hoje de US$ 70 bilhões a US$ 150 bilhões mantidos por brasileiros no exterior mas não-declarados ao fisco, ainda que uma parte disso já tenha sido "repatriada" por meio de investimentos de fundos no mercado de capitais brasileiro e no imobiliário.

O argumento, no entanto, não foi suficiente para convencer a oposição. Os deputados Guilherme Campos (DEM-SP), Arnaldo Madeira (PSDB-SP), Julio Semeghini (PSDB-SP) e Geraldinho (P-SOL-RS) votaram contra a proposta, que agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Segundo José Mentor, caso seu pedido de urgência seja aceito, o projeto pode seguir direto para votação no plenário.

O texto aprovado ontem na Comissão de Finanças da Câmara contém alterações em relação ao original. Em 2005, Mentor havia previsto uma alíquota de Imposto de Renda (IR) de 6% sobre os recursos declarados e mantidos no exterior e de 3% sobre os valores declarados e repatriados. Pela proposta aprovada ontem esses percentuais passam a ser 15% e 10%, respectivamente, além da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devida por empresas e cujos valores, se repatriados, serão destinados ao programa Fome Zero. Mentor visitará em breve o Parlamento da Itália, que promoveu recentemente uma repatriação de ativos no exterior em moldes semelhantes à sua proposta, para levar aos deputados informações sobre os benefícios da medida adotada no país durante a crise. "Esse dinheiro, que hoje circula em paraísos fiscais e em outros países, aliviaria a economia aqui", diz.

No Senado, Delcídio Amaral atua no mesmo ritmo na tentativa de aprovar sua proposta, cujo texto está sendo finalizado. Segundo o senador, o Projeto de Lei º 354, sob a relatoria de Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), deve ser votado no início de outubro na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Retomada em agosto, a proposta também tem uma segunda versão com percentuais diversos de IR: 5% na internalização de recursos e 10% na declaração de valores mantidos fora do país. Na versão original do texto esses percentuais eram de 8% e 15%, respectivamente. "Tem que deixar fluir, as propostas vão se encontrar e serão apensadas", diz Delcídio. "O Brasil está entendendo que o momento de aproveitar isso é agora." Ainda que haja maior disposição para a criação de mecanismos de repatriação de ativos hoje, a aprovação de uma proposta com esse teor pode enfrentar resistência da oposição, já que o governo começaria um ano eleitoral com uma base arrecadatória maior.