Título: Ocupação deve envolver políticas sociais, dizem especialistas
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2009, Especial, p. A14

O projeto de implantar Unidades de Policiamento Pacificadoras (UPPs) em favelas cariocas dominadas pelo tráfico de drogas ou por milícias armadas, é visto por especialistas do assunto como algo positivo. A política da Secretaria de Segurança do Estado do Rio está em vigor desde dezembro, mas para os analistas é preciso estabelecer políticas sociais dentro das favelas para dar alternativas a quem era ligado às atividades ilegais.

Na avaliação do sociólogo Ignacio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o policiamento comunitário sempre foi uma defesa dos estudiosos em segurança, mas a UPP deve deixar de ser exceção e virar regra. No Rio, há mais de 500 comunidades dominadas por grupos armados criminosos e apenas cinco estão sob ocupação policial atualmente.

Cano diz ser preciso melhorar o trabalho de investigação da polícia e aumentar as políticas sociais focadas na inclusão dos jovens que moram nas favelas. "Falta maior integração da política de segurança com a política social." O pesquisador da Uerj também avalia ser necessário reduzir o nível de corrupção policial e estabelecer metas de diminuição da incidência de crimes, acompanhada da estratégia do governo para tal redução.

Outro aspecto diz respeito à participação do setor privado nessas áreas na busca de reduzir a segregação social entre a favela e o asfalto e de criar emprego e renda no interior delas. "O fator-chave é a inserção social", afirma Cano.

Para a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, Sílvia Ramos, a política de ocupação policial nas favelas é certa e oportuna. "É correto colocar o foco principal do programa de segurança na ocupação. Enquanto não se resolver isso, a gente não vai saber quais são os problemas existentes. Essas áreas vão deixar de ter o território dominado pelo tráfico."

Segundo ela, a experiência do policiamento comunitário nas favelas prova que é possível mudar, após 20 anos de políticas que se traduziam em tiroteio entre polícia e tráfico, sem resultados efetivos. "Basta ter policiamento, bom treinamento, salários melhores, e policiais mais jovens", afirmou a coordenadora do Cesec. O desafio, diz ela, será expandir o programa, por causa do custo elevado. "Mas não é nada comparável ao que se gastou em tiroteio entre policia e traficantes nos últimos 20 anos."

Silvia, no entanto, reforça a necessidade de políticas sociais integradas à política de segurança pública. "A UPP deveria vir num pacote para tratar das pessoas em torno do tráfico, não é só quem está diretamente ligado, mas até quem vende quentinha para os traficantes", diz. Ela cita projeto implementado em Medellín, na Colômbia, onde o envolvimento de pessoas de comunidades pobres com o crime foi reduzido com o pagamento de bolsa mensal de US$ 400. O programa, denominado DDR (Desarmamento, Desmobilização e Reintegração), obriga a entrega de armas pelo participante, que recebe capacitação profissional ou ajuda para voltar à escola.

A pesquisadora lembra ainda o exemplo bem-sucedido do governo de Minas Gerais, o Fica Vivo, voltado para jovens de 15 a 24 anos de idade, moradores de áreas de risco sob ocupação da polícia. Além da Secretaria de Segurança do Estado, o trabalho envolve a participação de outras secretarias, como Habitação, Educação, Trabalho e Assistência Social. "Existe uma articulação dentro do governo. A ideia do programa é apaziguar. Não dá fim ao tráfico, mas acaba com o domínio territorial do tráfico nas áreas de risco." Na avaliação da coordenadora do Cesec, o programa da UPP , no Rio, deveria ser acompanhado de um programa mais estruturado do governo. "Não existe uma política sistemática, integrada, de criar alternativa para os jovens", afirma.

Sobre a Olimpíada, Sílvia não vê problemas na segurança da cidade diante do que já foi feito em eventos similares, como o Pan-americano de 2007 ou na Eco-92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. "Um dos problemas mais graves é a incivilidade, como o carro que não para no sinal ou em cima da faixa de pedestre. Esse tipo de coisa é muito carioca e já faz parte da cultura da violência, como jogar lixo na rua. São aspectos que já são banalizados e que não dependem de governo ou de fuzil, depende de cada cidadão e o governo vai ter que mudar, fazer campanha educativa", diz. (APG)