Título: A importância do vice
Autor: Augusto, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 20/06/2010, Politica, p. 4

Em diversos momentos da história, o substituto imediato do presidente assumiu o papel de protagonista, nem que seja para criticar o governo

Um mergulho na História do Brasil é suficiente para dar a dimensão do impacto de uma das tarefas mais complicadas que candidatos a cargos no Poder Executivo nas próximas eleições, como José Serra (PSDB), Antonio Anastasia (PSDB) e Hélio Costa (PMDB), estão enfrentando: a busca por um vice. Alguns, por forças naturais ou políticas, assumiram o comando da Nação, estados ou prefeituras. Outros apenas serviram para compor uma chapa e terminaram o mandato do mesmo jeito que começaram, com pouca expressão política. Um terceiro grupo, não satisfeito com o papel secundário, não perdia a oportunidade de dar declarações públicas sobre a condução do país, demonstrando posições que nem sempre estavam de acordo com as adotadas pelo governo.

O mais famoso integrante deste grupo foi Aureliano Chaves, vice do último presidente da ditadura militar, João Baptista Figueiredo (1979-1985). Também ex-governador indireto de Minas Gerais, foi um dos primeiros integrantes do governo federal a admitir publicamente apoio à emenda constitucional que recriava a eleição direta no país. A declaração foi dada em um dos vários períodos em que Aureliano ocupou interinamente a presidência, desagradando aos militares, mesmo com o regime em seu epílogo.

Na expectativa da realização de eleições diretas em 1985, que acabaram não se concretizando, Aureliano se ofereceu para candidatura ao Palácio do Planalto pelo PDS. O escolhido, no entanto, foi Paulo Maluf, derrotado por Tancredo Neves nas eleições indiretas. Na primeira disputa pós-ditadura com a participação popular, em 1989, o ex-governador de Minas se lançou candidato pelo PFL. Ficou em 8º lugar na disputa, com apenas 0,9% dos votos. Nunca mais ocupou cargo público. Morreu em 2005.

Cabeça a cabeça com Aureliano Chaves no grupo dos vice-presidentes de língua livre e afiada está José Alencar, o atual morador do Palácio do Jaburu. Escolhido para compor chapa nas duas vezes em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se candidatou e venceu as eleições, em 2002 e 2006, Alencar, até hoje, não se esquiva de reclamar das taxas de juros praticadas no país, exatamente o principal calo da política econômica do governo federal.

Perfil ideal No contraponto de Aureliano Chaves e José Alencar está Marco Maciel (DEM), atual senador por Pernambuco, duas vezes vice de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002). Visto como discreto, Maciel nada mais fez que cumprir o tradicional papel de ser um nome do Nordeste para formar chapa com um candidato do Sudeste. Para o professor de ciência política da Universidade de Campinas (Unicamp) Valeriano Mendes Ferreira Costa, é exatamente este o perfil ideal para os vices, pelo menos do ponto de vista de quem encabeça as chapas. ¿É preciso ser um monge budista. Aguentar tudo e nunca ter vontade de se projetar¿, diz.

Pode ter sido a estratégia de Getúlio Vargas ao articular para que Café Filho fosse seu vice, em 1950. No entanto, foi obrigado a assumir o governo com o suicídio de Vargas, em 1954. Ficou apenas um ano e três meses no cargo e se afastou por problemas de saúde. A morte foi degrau também para José Sarney, escolhido como vice de Tancredo Neves nas eleições indiretas pós-ditadura. Com a morte de Tancredo, em abril de 1985, ficou a cargo de Sarney a transição do país para a democracia, no período entre 1985 e 1990. A época foi marcada por um conjunto de medidas fracassadas na área econômica. As principais estavam embutidas no Plano Cruzado, para conter a alta de preços no Brasil, e que acabou instalando grave crise de abastecimento no país, com os produtores escondendo o que fabricavam, ou o que criavam, para não vender por preços baixos.

Um impeachment também levou um vice ao comando do país. Escolhido vice de Fernando Collor de Mello, que venceu a disputa pelo Palácio do Planalto em 1989, Itamar Franco assumiu o cargo com a retirada do presidente eleito do poder, por denúncias de corrupção, dois anos depois da posse, em 1992. Itamar entrou para a história como o presidente que iniciou a recuperação da economia brasileira, depois do fracasso da era Sarney, com a criação do Plano Real.

Dupla eleição O gaúcho João Goulart, o Jango, talvez tenha sido o vice mais carismático e influente que o Brasil já teve, além de ocupar posição protagonista na implantação da ditadura militar no país. Venceu duas eleições consecutivas para vice, em 1955 e 1960 ¿ a escolha para o cargo na época era feita nas urnas. Na primeira, teve mais votos que o presidente eleito, Juscelino Kubitschek. Na segunda, como vice de Jânio Quadros, chegou ao poder com a renúncia do presidente, em 1961.

Com a relutância dos militares, já bastante enfronhados no poder, em dar posse a João Goulart, por suas relações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o país passou a viver período conturbado, que tentou ser amenizado com a implantação do sistema parlamentarista ainda em 61. O então deputado Tancredo Neves foi escolhido primeiro-ministro, com João Goulart como presidente.

Depois da saída de Tancredo em 62, para nova disputa por cadeira na câmara, João Goulart começou a articular o fim do parlamentarismo. Em 1963, em plebiscito, a população optou pelo retorno do presidencialismo. Um ano depois, Jango foi deposto e os militares implantaram a ditadura no Brasil.