Título: DF começa a contagem regressiva para impunidade
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2010, Opinião, p. A12

Bastou a abertura oficial da Câmara Legislativa para que a base governista de José Roberto Arruda (sem partido) mostrasse quem, de fato, manda na máquina burocrática do Distrito Federal. Ontem, o presidente da Assembleia Legislativa, Leonardo Prudente (sem partido), voltou ao posto e a Polícia Legislativa impediu a entrada de manifestantes no prédio e dos jornalistas na ala das comissões, onde eram escolhidos a dedos os deputados distritais que decidirão sobre o processo de impeachment do governador do DF. Prudente havia se licenciado depois de divulgadas imagens em que recebia dinheiro vivo de origem supostamente ilegal e o escondia nas meias.

O resultado foi que, sob o comando de Arruda, a CPI da Corrupção - que analisará as denúncias que pesam sobre o governador, secretários de governo e deputados distritais - e a Comissão de Constituição e Justiça - que deverá dar o parecer sobre a constitucionalidade dos pedidos de afastamento dos implicados em irregularidades de seus postos - foram providencialmente preenchidas por figuras não apenas leais ao governador, mas pessoalmente interessadas em empurrar para debaixo do tapete as denúncias trazidas à tona pela Operação Caixa de Pandora da Polícia Federal (PF). O presidente da CPI será o ex-secretário Alírio Neto (PPS) e seu vice, Raimundo Ribeiro, também recém-aportado na Câmara Distrital depois de ocupar o secretariado de Arruda.

A "blindagem" do governador chegou ao requinte de definir a composição de uma comissão que sequer foi criada: a Comissão Especial que deverá presidir o processo de impeachment, caso os pedidos de afastamento do governador consigam superar a barreira montada por Arruda e sua base parlamentar. Em todas as três comissões - nas que existem e na que pode nem existir - os governistas ocuparam quatro postos, deixando apenas um para a oposição. A escolha do presidente da CCJ foi feita pelo placar de 4 a 1; a da CPI também - e assim deve ser todo o resto daqui para a frente.

A maioria governista de Arruda na Câmara Legislativa montou o cenário da impunidade. Existem poucas esperanças de que o Legislativo do DF tome a decisão política de punir os mandatários que apareceram nas gravações do ex-secretário Durval Barbosa recebendo dinheiro vivo supostamente de origem ilícita. O primeiro elemento da cena é a Lei Orgânica do Distrito Federal, que condiciona a abertura de ação penal contra o governador à autorização do Legislativo. Com maioria tranquila, Arruda pode se valer dela para tentar embargar, após o inquérito da PF, uma ação contra si próprio na Justiça. Contra essa possibilidade, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado, uma decisão adiada pelo relator, ministro José Antonio Dias Toffolli, para este ano. Uma decisão do STF valeria para o DF e para os demais governadores que tentassem esse artifício jurídico.

Na esfera política, maiorias avassaladoras, reforçadas por secretários com mandatos de deputados investigados pela PF - que deixaram o governo para defender seus interesses e os do governador na Câmara Distrital - são montadas para adiar a votação dos três pedidos de impeachment que ocuparão todo o tempo dos deputados pelos próximos meses. A CPI vai analisar as denúncias feitas pelo ex-secretário Durval. O governo lá é maioria absoluta: 4 em 5 votos a favor do governador. A Comissão de Constituição e Justiça tem que analisar a constitucionalidade e juridicidade dos pedidos de impeachment: mais 4 contra 1. Se, por acaso, os pedidos romperem a barreira da CCJ, terão de ir para uma Comissão Especial - onde, foi decidido ontem, serão 4 votos do governo e só um da oposição. Daí correm prazos regimentais para os pedidos irem a plenário e ser iniciado, de fato, o processo de impeachment. Só no final do processo, e se vencidos todos os bloqueios dos governistas, o impeachment será analisado numa comissão onde cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do DF e cinco deputados decidiriam o destino do governador. Até lá, o seu mandato pode até ter acabado: no dia 1 de janeiro de 2011 assumirá o governador eleito