Título: Cai endividamento de Estados e municípios
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2009, Brasil, p. A4

O impacto da crise global sobre a economia brasileira derrubou o ritmo de expansão de receitas de Estados e municípios neste ano, mas não a ponto de desestabilizar a situação fiscal, mostra um relatório da agência de classificação de risco Fitch Ratings. Houve redução generalizada da taxa de crescimento das despesas e a relação entre a dívida e a receita corrente líquida caiu nos três municípios, no Distrito Federal e em sete dos oito Estados analisados pela Fitch, graças à colaboração decisiva do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI). Indexador da maior parte dos débitos, o IGP-DI fechará o ano em deflação.

O nível de investimento como proporção dos gastos totais, contudo, é muito baixo. De janeiro a agosto deste ano, ele recuou em todos os entes federativos estudados pela agência, com exceção da prefeitura de Belo Horizonte. Embora cadente, o patamar elevado do endividamento limita o potencial de investimento de Estados e municípios brasileiros, diz o analista Renato Aguiar, da Fitch.

Nos oito primeiros meses de 2009, as receitas correntes dos Estados e municípios analisados pela agência cresceram, em média, 3,7% em relação ao mesmo período de 2008, uma variação próxima a zero, quando descontada a inflação, e muito menor que os 18,3% de 2009. Quem mais sofreu foram os Estados produtores de commodities e que exportam muito, como Minas Gerais, que viu a arrecadação cair 6,4% de janeiro a agosto. Em 2008, houve alta de 21,1%.

Já Estados e municípios com economias mais diversificadas, ou mais voltados à prestação de serviços, como as prefeituras de São Paulo e Belo Horizonte e o Estado de São Paulo, foram pouco afetados. No Distrito Federal, a situação foi ainda melhor, uma vez que a receita está basicamente atrelada à administração pública federal. Ela subiu 10% de janeiro a agosto, menos que os 19,1% do ano passado, mas ainda sim um percentual expressivo para um ano de crise.

Com a arrecadação avançando a taxas bem menores do que em 2009, ou até mesmo em queda em relação ao ano passado, havia o risco de piora em indicadores fiscais importantes, como o que compara a dívida líquida e a receita corrente líquida. Não foi, porém, o que ocorreu - pelo contrário. Na média dos Estados e municípios analisados pela Fitch, o endividamento líquido em agosto era equivalente a 1,12 vez a arrecadação, abaixo do 1,24 de em 2008. "Esse resultado se deveu em grande parte ao comportamento do IGP-DI, que corrige a maior parte das dívidas de Estados e municípios", diz Aguiar, lembrando que, de janeiro a agosto, o IGP-DI recuou 1%.

O relatório da Fitch evidencia uma situação muito díspar do nível do endividamento em relação à receita líquida entre os diversos Estados e municípios. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, tem uma dívida que equivale a 2,01 vezes a arrecadação corrente líquida, muito acima do limite de 1,2 previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O resultado mostra também as dificuldades do município para se alinhar à meta de redução do endividamento até 2016 definida pelo Senado, segundo a qual a relação teria de fechar 2009 em 1,54.

O elevado nível de endividamento explica por que os Estados e municípios investem tão pouco no Brasil, diz Aguiar. Enquanto na amostra da Fitch a dívida líquida equivale, em média, a 1,1 vez a receita líquida, no México essa relação é de apenas 0,3. Enquanto de janeiro a agosto os investimentos dos Estados e municípios brasileiros responderam por 5,6% do total de gastos (abaixo dos 8,5% de 2008), no México o percentual fica em cerca de 20%.

As prefeituras de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro e o governo do Distrito Federal têm baixo nível de endividamento, mas apenas na capital mineira as inversões respondem por uma fatia significativa das despesas totais. De janeiro a agosto, Belo Horizonte investiu 19,3% de tudo o que gastou, mais que os 17,8% de 2008. No Rio, essa proporção ficou em 1,9%, muito abaixo dos 8,2% do ano passado. No DF, o número foi de 4,4%, também inferior aos 10,4% de 2008.

Com receitas em queda, Estados e municípios reduziram o ritmo de expansão dos gastos correntes. Na média dos entes federativos analisados pela Fitch, as despesas correntes subiram 8,8% de janeiro a agosto, uma desaceleração em relação aos 15,9% de 2008. Em Minas, onde as receitas caíram 6,4%, os gastos recuaram 2,5%.

Apesar desse exemplo, em geral há dificuldades para conter gastos correntes no Brasil, dada a sua rigidez, como fica claro com as despesas com pessoal, diz o diretor-executivo da Fitch, Rafael Guedes. O ajuste tende a recair sobre os investimentos, o que explicaria por que houve redução da fatia das inversões em relação aos gastos totais, com exceção de Belo Horizonte. Guedes observa ainda que Estados e municípios têm restrições que não atingem o governo federal. "A União pode emitir dívida", lembra ele.