Título: Entrevista: Giora Becher
Autor: Becher, Giora
Fonte: Correio Braziliense, 05/07/2010, Mundo, p. 14

´Temos que nos defender`

Embaixador israelense diz que bloqueio à Faixa de Gaza ¿não é contra o povo palestino¿, mas contra ¿os terroristas¿

RODRIGO CRAVEIRO

Giora Becher, embaixador de Israel em Brasília, é franco e direto: ele afirma que seu país enfrenta uma guerra declarada pelo Hamas ¿ que considera ser uma ¿organização terrorista, fundamentalista e extremista¿.

Em entrevista ao Correio, o diplomata de 60 anos admitiu que o ataque israelense à flotilha que pretendia levar donativos à Faixa de Gaza era a única opção. Para ele, o fato de ter sido convocado pelo Itamaraty a prestar esclarecimentos sobre o incidente não ajudou a fortalecer as relações bilaterais. Ele confia que a comissão estabelecida pelo governo para investigar o episódio, com participação de observadores internacionais, chegará a uma posição favorável a Israel. Becher voltou a defender o bloqueio israelense a Gaza: ¿Esse bloqueio não é contra o povo palestino, mas contra o Hamas, uma organização terrorista que quer a destruição de Israel enquanto Estado¿.

Durante meia hora, o embaixador abordou assuntos polêmicos e considerados sensíveis ao conflito no Oriente Médio.Reafirmou, por exemplo, que ¿Jerusalém é a capital eterna do Estado de Israel¿. Sobre as relações com o Brasil, assegurou que existe cooperação em todos os setores, incluindo medicina, agricultura e segurança pública.Ele aposta que o intercâmbio econômico vai se intensificar ainda mais após a aplicação do acordo de livre-comércio entre Israel e o Mercosul, em vigência desde maio.E classificou como ¿extraordinária e histórica¿ a visita do presidente Lula a seu país, em março passado.

O bloqueio israelense à Faixa de Gaza é necessário? O bloqueio tem dois aspectos importantes. O primeiro é que, segundo nossa análise, jamais houve uma emergência humanitária na Faixa de Gaza. Nenhuma pessoa morreu de fome. É lógico que a situação não é a melhor do mundo. Mas, se você compara as estatísticas da economia com outros países do Oriente Médio, vai saber que a Faixa de Gaza não é o pior lugar do mundo árabe.

O importante para nós é que esse bloqueio não é contra o povo palestino da Faixa de Gaza. É contra a organização que controla ilegalmente o território, o Hamas, uma organização terrorista que declara abertamente que não reconhece o direito de existência de Israel e quer a destruição de Israel enquanto Estado. É uma situação de guerra entre nós e essa organização. Guerra declarada pelo Hamas, não por Israel. Mas temos que nos defender.

Segundo o jornal Haaretz, a comissão criada para investigar o incidente com a flotilha teria autoridade bastante limitada e não estaria interessada em descobrir a verdade.O senhor crê numa investigação completa e imparcial? O presidente da comissão, Jacob Turkel, pediu mais autoridade para fazer uma investigação independente e chegar a conclusões. O primeiro-ministro (Benjamin Netanyahu) e o ministro da Defesa (Ehud Barak) estão dispostos a ampliar as responsabilidades da comissão. Estou seguro de que ela é formada por gente muito prestigiosa em Israel, que não trabalha para o governo. Estou seguro de que essa comissão chegará a conclusões positivas para Israel.

O incidente com a flotilha danificou a imagem de Israel perante a comunidade internacional? Lamentavelmente, não tivemos alternativa. Não era possível dar a oportunidade para que essa gente entrasse em Gaza sem que inspecionássemos a carga da flotilha. Sabemos que o Hamas quer mais armamentos, mais explosivos e mais foguetes, o tempo todo. Esse assunto não ajudou a imagem de Israel.

É nosso dever tratar de explicar ao mundo.

Acredito que o mundo está agora mais aberto para entender um pouco mais o lado israelense. Esse incidente tem dois lados. Não só o da flotilha e da gente que estava lá, mas também o lado de Israel.

O senhor foi chamado pelo Itamaraty a explicar o ataque. A relação com o Brasil sofreu um desgaste depois disso? Isso não ajudou a fortalecer as relações bilaterais.

Mas quero fazer uma distinção entre as relações de Israel com o Brasil ¿ que são muito boas ¿ e esse tipo de reação do Brasil em assuntos internacionais, sobre a paz no Oriente Médio e sobre qualquer coisa que aconteça no Oriente Médio. Quando o Brasil tem uma posição que não favorece ao Estado de Israel, podemos conversar e dialogar. Tivemos oportunidades, a nível muito alto, de encontros em Israel entre presidentes, ministros, chanceleres.

Estamos buscando uma maneira de chegar a um melhor entendimento entre nossos países.

Na visita a Israel, o presidente Lula não foi ao túmulo do líder sionista Theodor Herzl.Em Gaza, ele depositou uma coroa de flores no mausoléu de Yassser Arafat. Isso causou mal-estar? Para nós, foi uma visita extraordinária e histórica.

Foi a primeira visita de um presidente brasileiro desde a criação do Estado de Israel, em 1948. Do ponto de vista das relações bilaterais, foi muito boa.

O presidente Lula chegou acompanhado de uma delegação muito importante de empresários e investidores.

Para nós, foi uma excelente visita. O presidente Lula tem o direito de fazer qualquer coisa.

Quando ele esteve na Autoridade Palestina, em Ramallah, não sei sobre qualquer coisa que ficou como problema entre nós e o Brasil.

Em quais setores as relações bilaterais mais se destacam? Em todos os setores. Desde o setor de medicina e da agricultura até o setor da segurança pública.

Uma delegação de companhias de segurança pública está em São Paulo e depois irá ao Rio, para fazer contatos com os governos estaduais e com as companhias privadas brasileiras. Esse relacionamento econômico é muito importante para nós.

Parece que ele vai crescer com a aplicação do acordo de livre comércio (com o Mercosul), que entrou em vigência dois meses atrás.

O Hamas hoje é o grande problema para o Oriente Médio? Caso o Fatah fosse o único ator político dos territórios palestinos seria mais fácil de negociar a paz? Qualquer organização terrorista fundamentalista ¿ como o Hamas, o Hezbollah e a Al-Qaeda ¿ é obstáculo para podermos chegar à paz. Sem dúvida alguma. Espero que o Hamas não possa controlar todo o povo palestino. Lamentavelmente, ele chegou a controlar a Faixa de Gaza de uma maneira violenta. Agora, não existe democracia lá. As pessoas não podem votar se querem continuar com o Hamas ou trocar o regime pelo Fatah.

A Faixa de Gaza não é agora parte da Autoridade Palestina. Isso é um problema. Não apenas por serem extremistas, fundamentalistas e terroristas, mas também por não desejarem qualquer tipo de acordo com o Estado de Israel.

O presidente Barack Obama vai se reunir amanhã com o premiê Benjamin Netanyahu.

O que o senhor espera desse encontro? Os Estados Unidos são o grande aliado de Israel.

Sempre foram e vão continuar assim. Temos garantias do presidente Barack Obama de que a defesa de Israel é prioritária para os EUA. Tempos apoio do Congresso norte-americano. Os EUA também são uma superpotência, com muitos contatos no mundo árabe, como Egito, Arábia Saudita e Jordânia. É importante que os EUA façam parte do processo de paz de uma maneira ativa.

Um acordo de paz contemplaria a partilha de Jerusalém? Os dois lados têm exigências e demandas. O que estamos dizendo é que temos de dialogar diretamente com os palestinos sobre tudo. Eles podem dizer que querem metade de Jerusalém. Vamos dizer que querem tudo de Jerusalém. Eles querem que todos os refugiados voltem a Israel.

São suposições. Ao fim do caminho, temos de chegar a um compromisso. Para nós, Jerusalém é a capital eterna do Estado de Israel. Não acredito que haja muitos israelenses dizendo que não queremos Jerusalém e que vamos mudar a capital de Israel para Telavive. Para mim, o problema entre nós e os palestinos não é apenas uma questão de território. O problema é de reconhecimento: se os palestinos vão reconhecer Israel como um Estado judeu e que tem o direito de existir. Não só o governo dos palestinos, mas também a grande maioria do povo palestino.

A inclusão do Hamas no processo político está fora de cogitação? Israel aceitaria amanhã a participação do Hamas nessas negociações para a paz. Isso se Hamas declarar que deseja chegar à paz com Israel, que deixará de usar a violência e que reconhece o direito de Israel e todos os acordos já firmados com os palestinos. Se o Hamas disser sim, então vai poder participar já amanhã. Não temos nada contra o Hamas. Temos tudo contra uma organização terrorista que não reconhece Israel e que quer a destruição de Israel.